“Formando bons alunos, você está formando bons profissionais”, afirma o professor emérito da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (USP) – São Paulo (SP) e Ribeirão Preto (SP) –, Eliseu Martins. A história do desenvolvimento das Ciências Contábeis no Brasil passa pelos bancos das universidades, pelo incentivo e pela dedicação à pesquisa.
O primeiro programa de mestrado em contabilidade do país data de 1970. A Universidade de São Paulo (USP), localizada na capital paulista, foi a pioneira. Os impactos dessa iniciativa refletiram em toda a profissão. Isso porque os programas stricto sensu, compostos pelos mestrados e doutorados, contribuem para a formação de professores mais bem preparados. O reflexo disso é sentido no mercado de trabalho, que recebe profissionais mais bem formados e capacitados para o desenvolvimento de atividades e de soluções criativas para as demandas do dia a dia. “É tão importante essa melhoria da qualidade dos professores, principalmente, mas também dos profissionais – o mestrado não é só professor que faz”, explica o professor doutor Eliseu Martins.
O papel dos pioneiros
Após implantar o mestrado, os acadêmicos da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP montaram o programa de doutorado em 1978. O professor Eliseu Martins conta que, quando o novo curso estava começando a funcionar, ele e os professores que participaram da iniciativa ainda eram os únicos com mestrado na área no país. O grupo estava focado em melhorar a qualidade da educação e passou a trabalhar para que outras universidades tivessem os cursos stricto sensu. Assim, ajudaram a criar os mestrados da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), começou pela FGV Rio e depois foi encampado pela UERJ, e da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
A vontade e o sentimento de compromisso em melhorar a qualidade da educação na área fez surgir novos projetos liderados pelos pesquisadores. “A gente achava que era obrigação nossa, que era a única maneira de melhorar a formação do professor. E, mais para frente, demos outro passo: abrimos vagas especiais no nosso mestrado para professores de universidades públicas porque eles tinham dificuldade de ir para o nosso mestrado, em fazer concorrência com o pessoal de São Paulo que tinha uma formação mais forte. Abrimos uma turma especial de mestrado. Na verdade, uma turma especial, que era um pré-mestrado para os professores de universidades públicas, que vinham e ficavam um ano fazendo nivelamento e, então, terminando o nivelamento e tendo passado, já entravam no mestrado”, explica.
Segundo Martins, o programa fez bastante sucesso e, um tempo mais tarde, o Conselho Federal de Contabilidade (CFC) passou a fazer parte dessa história e foi até a Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (Fipecafi) – entidade privada e sem fins lucrativos criada por professores do Departamento de Contabilidade e Atuária da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (EAC-FEA-USP) – e estabeleceu um acordo de apoio a esse projeto. “Além de receber os professores de fora, também ocorreria a ida da USP a diversas cidades, para ir lá e dar o curso de mestrado, para atender aqueles professores que não podiam sair das suas regiões e ir para São Paulo. Nós fomos a cinco capitais. Então, é importante dizer: o mestrado é a única forma de melhorar realmente o nível daqueles que vão formar os profissionais e o Conselho Federal foi tão ativo nesse processo, ajudou tanto que proporcionou esses programas de levar os mestrados a diversas capitais. Muitos hão de se lembrar disso”, conta.
Desafios a serem superados
Apesar da ampliação da qualidade dos professores e do aumento no nível do ensino das Ciências Contábeis no Brasil, algumas melhorias ainda precisam ser alcançadas.
Um desses pontos a serem trabalhados diz respeito às metodologias de avaliação dos programas de pós-graduação brasileiros, como explica o professor Eliseu Martins. “O Ministério da Educação e Cultura, o MEC, instaurou uma metodologia de avaliação de desempenho dos programas de pós-graduação e uma mensuração do desempenho dos pesquisadores acadêmicos muito centradas em dados quantitativos de publicações feitas. O cara pode ser o melhor didata do mundo, se ele não tiver publicações em revistas chamadas científicas, não sobe na carreira nem vai poder dar aula na pós-graduação”, relata.
De acordo com o acadêmico, esse modelo faz com que a universidade seja muito pressionada pelos seus programas e por suas reitorias que, naturalmente, querem ser bem avaliadas pelo MEC. Em consequência disso, buscando atender aos requisitos de um volume de publicações, as academias passaram a produzir materiais com uma linguagem muito científica e voltada para esse universo, que, segundo Martins, é inacessível aos profissionais.
O professor da USP ressalta que, hoje, as revistas acadêmicas da área das Ciências Contábeis apresentam o problema de estarem fechadas para leitores do ambiente científico e não dialogarem com os profissionais que estão no mercado. “As revistas publicam artigos com um linguajar científico, estatístico. Dificilmente, os profissionais de mercado, auditores, contadores, escritórios de contabilidade leem aquele material. Não conseguem ler porque aquilo não é linguagem de profissional”, pontua. E completa: “Os pesquisadores acadêmicos vão produzindo os seus trabalhos, concorrendo entre si, conseguindo as suas publicações, mas todo esse conhecimento acumulado não passa para o mundo dos profissionais.”
Outra questão abordada pelo acadêmico é falta de vivência prática, ou seja, no mercado de trabalho, por alguns professores. Essa situação tem se ampliado em função do aumento das vagas de professores no regime de dedicação exclusiva, de dedicação integral à docência e à pesquisa. Assim, os próprios acadêmicos ficam sem essa opção de vivenciar o dia a dia do mercado via a experiência do professor. “Você vai formando, termina a graduação, faz mestrado e doutorado, vai ser professor e nunca teve atividade prática, nunca trabalhou em uma consultoria, nunca vivenciou uma empresa por dentro, o que traz também um problema de risco de, na graduação, as aulas dadas por eles não terem essa característica prática da Ciência Contábil. Por definição, ela tem uma natureza teórica/conceitual e uma natureza prática e o que interessa, o que dá valor à contabilidade, é a sua capacidade prática de produzir informações”, esclarece.
Em resumo, Martins fala da necessidade da aproximação da academia com o mundo prático. De acordo com o professor, isso não significa que a academia deve deixar o que está fazendo, mas acrescentar novos horizontes às suas atividades. Isso inclui trabalhar a linguagem dos materiais desenvolvidos, para que aqueles que estão fora das universidades compreendam os conteúdos e, ainda, o trabalho em pesquisas que tenham mais interesse prático.
Por fim, o professor acredita que deveria ser criada uma metodologia que obrigasse parte dos professores universitários a terem mais experiência prática para que esses profissionais tenham uma noção mais próxima da realidade sobre o que está ocorrendo no uso da contabilidade.
O futuro
Um dos avanços que já pode ser visto no ambiente acadêmico da contabilidade é o início de elaboração de pesquisas que tenham um cunho de utilidade. “Já há um comprometimento de um certo número de professores do Brasil para que haja uma mudança de direção, para que se trabalhe com pesquisas que tenham um cunho de utilidade”, menciona.
E, apesar do caminho que ainda precisa ser percorrido e da necessidade de se buscar sempre o aprimoramento, Martins destaca as vitórias conquistadas. “A diferença no nível de qualidade dos docentes e dos profissionais, porque passaram a ter melhores professores, com relação ao que era há quarenta, cinquenta anos, é algo absurdo de diferente. O Programa de Pós-graduação em Contabilidade hoje se alastrou. Há programas em praticamente todos os rincões do país e, normalmente, são de boa qualidade. No fundo, a origem de quase todos eles é de professores formados pela USP que, depois, foram formando outros programas, que daí foram formando outros professores. Então, a gente fica muito feliz que a qualidade inicial é mantida”.
Contribuição do CFC para a pesquisa
Entre as ações do CFC em prol da academia e do avanço das pesquisas no campo da contabilidade, uma se destaca: a Revista Brasileira de Contabilidade (RBC). A publicação é a mais antiga revista técnica em contabilidade em edição no país. Sua história foi iniciada em 1912, mas suas veiculações sofreram algumas interrupções, até que, em 1971, o CFC assumiu a responsabilidade pela edição da revista e, desde então, suas publicações seguem de modo contínuo.
No último dia 27, o CFC comemorou os 50 anos de produção do periódico. Para marcar a data, lançou uma edição especial da RBC. O evento fez parte da programação do seminário comemorativo dos 75 anos de criação do Sistema CFC/CRCs e da regulamentação da profissão contábil.
A coordenadora do Conselho Editorial da RBC e professora doutora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Jacqueline Veneroso Alves da Cunha (ex-aluna do Eliseu Martins), destaca como a publicação tem contribuído para o desenvolvimento da contabilidade no país. “A RBC exerce um papel fundamental para o desenvolvimento das Ciências Contábeis no Brasil. Um veículo disponível há 50 anos, apenas sob a edição do CFC, para divulgar os trabalhos de pesquisa dos profissionais da área, além de veicular matérias e entrevistas sempre atuais. A RBC se confunde com a própria história das Ciências Contábeis no Brasil”, afirma.