Trabalhadores que tiveram salário e jornada reduzidos ou contrato suspenso em 2020 devem declarar o benefício emergencial, pago pelo governo para compensar a perda de renda, como um rendimento tributável na declaração do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF), segundo orientação da Receita Federal. Advogados se dividem entre quem endossa esse entendimento e quem acredita que o benefício equivale ao seguro-desemprego e, por isso, deveria ser isento.
O esclarecimento da Receita foi publicado na última segunda-feira, 8, e pode ter repercussão no caso de contribuintes que ultrapassam a faixa de isenção do tributo.
Quem ganha acima de R$ 28.559,70 não só precisa declarar o recebimento do benefício emergencial (BEm) como também deve ficar atento para a repercussão da inclusão desse rendimento sobre a restituição ou o imposto a pagar.
O advogado Bruno Souto Silva Pinto, sócio do escritório Ferraresi Cavalcante Advogados e membro da Comissão de Direito Tributário da OAB-GO, estimou a pedido do Estadão/Broadcast o impacto da tributação do BEm na declaração do trabalhador.
Os cálculos mostram que um trabalhador que tenha tido dois meses de suspensão de contrato em 2020 ficaria, na prática, isento de IRPF caso seu salário nos meses fosse de até R$ 2.507,28, considerando o benefício isento de tributação. Já no caso de BEm tributável, essa faixa salarial cai a R$ 2.153,50.
O significado dessa simulação é que, com a inclusão do benefício na base de cálculo do IRPF, um número maior de trabalhadores precisa declarar e, com isso, terá restituição reduzida ou imposto maior a pagar.
No caso de suspensão de contrato de apenas um mês, a isenção de IRPF valeria até salários de R$ 2.271,25, com o BEm isento de imposto, ou R$ 2.112,56, com o benefício sendo tributado.
Souto diz que, em seu entendimento, o BEm é de fato uma renda tributável, uma vez que a lei do programa não previu qualquer exceção para o repasse. “Se não incluir na declaração, será o mesmo que sonegar imposto, e pode cair na malha fina”, alerta.
O contrário ocorreu com a ajuda compensatória, valor que empresas puderam pagar aos funcionários como um incentivo para adesão ao acordo de redução de jornada ou suspensão de contrato. Esse repasse não era obrigatório, mas quem recebeu deverá declarar como valor isento.
O advogado tributarista Luiz Gustavo Bichara, do Bichara Advogados, tem o mesmo entendimento. “A Receita acaba tratando o BEm como uma remuneração qualquer”, afirma. Segundo ele, embora o valor do benefício tenha sido calculado com base no valor do seguro-desemprego a que o trabalhador teria direito se demitido, não há equiparação entre um e outro. O seguro-desemprego é isento de Imposto de Renda. “Só a lei do benefício emergencial poderia trazer a isenção de tributos”, afirma.
O advogado Jonas Ricobello, integrante da consultoria tributária LacLaw, diverge da interpretação da Receita e avalia que o BEm pode sim ser equiparado ao seguro-desemprego.
“O posicionamento da Receita foi uma surpresa, porque a legislação que instituiu o benefício diz que o objetivo é preservar o emprego e a renda, e todo o pano de fundo do programa vem no contexto de uma calamidade. Foi um espanto receber essa informação”, afirma Ricobello. “Podemos inferir que foi gerado um benefício equivalente ao seguro-desemprego. Por si, isso gera dúvida”, acrescenta.
Ricobello diz ainda que outra lei, que tratou do auxílio emergencial, estabeleceu a necessidade de um “mínimo existencial” para os beneficiários no contexto da pandemia e isso poderia ser aplicado a um contexto maior. “A condição para recebimento dos benefícios governamentais foi apoiada na conceituação do ‘mínimo existencial’ para manutenção das condições humanas e isso seria impossível de tributar”, diz.
A Receita Federal informou que a lei que criou o BEm não prevê qualquer isenção para esse benefício, apenas para a ajuda compensatória paga eventualmente pela empresa. O Fisco informou ainda que “não há estudo específico sobre a arrecadação decorrente do pagamento do (IRPF sobre o) BEm”.