Por R$ 182, o administrador de empresas Bruno Di Carlo Capanelli se viu diante de um dilema. Microempreendedor individual (MEI) desde 2015, o morador de Franca, no interior de São Paulo, vende ferramentas, produtos eletrônicos e de informática através de sites de classificados on-line.
No início deste ano, ao ultrapassar em menos de R$ 200 o limite de faturamento anual de R$ 60 mil da categoria considerada a porta de entrada do empreendedorismo, Capanelli passou a ser enquadrado pelo Fisco como microempresário (ME). Com isso, sua despesa tributária mensal passaria de cerca de R$ 50 para R$ 1 mil, conforme seus cálculos, somando os impostos mais elevados para microempresas e a contratação de um contador.
“Ia baixar minha rentabilidade, eu tenho uma margem muita baixa, não poderia incluir esse custo no meu preço, porque não conseguiria concorrer com ninguém”, diz o empreendedor. Desde então, Capanelli cancelou sua máquina de cartão de crédito e deixou o CNPJ parado, planejando repassá-lo a um amigo e voltar ao MEI com outro cadastro.
A situação vivida pelo comerciante é comum e afeta diversos microempreendedores individuais que, pelo crescimento natural de seus negócios, superam o limite de faturamento da categoria. A partir de 1º de janeiro de 2018, o novo teto de enquadramento do MEI passa de R$ 60 mil a R$ 81 mil anuais (ou de R$ 6 mil a R$ 6,75 mil mensais), graças à Lei Complementar 155, de 2016.
Apesar do teto mais elevado, que mantém empreendedores enquadrados no MEI até um limite maior de receita bruta, o problema do “salto” de tributação persiste. O MEI que faturar apenas um centavo acima do novo teto de R$ 81 mil passa a contar com uma carga tributária, em média, 303% superior à que estava sujeito, segundo cálculo da consultora Cíntia do Nascimento Silva e do advogado Fabio Pereira da Silva, feito com exclusividade para o Valor. No teto anterior, de R$ 60 mil, o salto tributário na passagem do MEI à microempresa era de, em média, 268%, conforme artigo dos autores, publicado na “Revista da Receita Federal”.
“Do ponto de vista do MEI, piorou a situação, porque uma vez que o teto passou a R$ 81 mil, há uma alíquota efetiva menor de tributação, assim o salto para quem passa para ME é muito maior”, afirma Pereira da Silva, sócio do escritório Weigand e Silva Advogados.
O profissional enquadrado no MEI recolhe um valor fixo mensal correspondente à soma da contribuição para a Seguridade Social (equivalente a 5% do salário mínimo) , mais ICMS e ISS. Já pequenas empresas que participam do regime especial de tributação do Simples Nacional podem ter faturamento de até R$ 4,8 milhões pela regra que passa a vigorar em 2018, com tributação variando de 4% a 33% da receita bruta, dependendo da atividade e faixa de faturamento.
Para a atividade de comércio, por exemplo, a alíquota efetiva do MEI seria de 1,43% para um faturamento de R$ 60 mil e de 4% para receita bruta de um centavo a mais, num salto de 180%. Com o novo teto, a alíquota efetiva passa a ser de 1,20% para faturamento de R$ 81 mil e de 4% para receita um centavo superior a esse valor, num pulo de tributação de 233%. Para alguns tipos de serviços, a diferença de tributação de MEI para microempresa vai passar de 297% atualmente para 400% em 2018 – ou de uma alíquota efetiva de 1,20% para 6%.
Assim, o MEI que fatura próximo ao limite enfrenta o dilema de delimitar seu faturamento ao teto permitido, interrompendo o crescimento da sua atividade; arcar com o custo do aumento da carga tributária; ou omitir faturamento, recorrendo à informalidade. “A existência desse abismo entre o MEI e a ME, que não encontra paralelo nas demais formas de tributação, incentiva a prática de evasão fiscal”, argumentam Cíntia e Pereira da Silva.
Criada em 2009, a figura do MEI tem como objetivo a formalização de pequenos negócios. Em junho deste ano, a Receita Federal contava 7,2 milhões de microempreendedores individuais cadastrados, superando os 4,9 milhões de microempresas e empresas de pequeno porte (EPP) optantes pelo Simples Nacional. Ainda conforme o Fisco, os MEIs recolheram R$ 886 milhões em impostos de janeiro a junho deste ano, contra R$ 36,1 bilhões pagos por MEs e EPPs no mesmo período.
Segundo pesquisa do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) sobre o perfil do MEI em 2017, cerca de 46% dos microempreendedores individuais acreditam que irão faturar mais de R$ 60 mil com a empresa nos próximos anos.
Para o presidente do Sebrae, Guilherme Afif Domingos, parte do problema do diferencial de tributação para pequenas empresas foi resolvido pela lei que entra em vigor em 2018. Além de mudar os tetos de faturamento das categorias, a nova legislação criou seis faixas de tributação para MEs e EPPs, com a cobrança de imposto apenas sobre a diferença, na mudança entre essas faixas. “Houve a substituição do degrau por uma rampa”, afirma.
Domingos reconhece que essa “suavização” para microempresas e empresas de pequeno porte não resolve o problema do salto tributário na transição de MEI para microempresa, mas, para ele, esse não é um problema. “R$ 6 mil por mês já é muito mais que um salário médio. Se o profissional estivesse trabalhando empregado, estaria pagando imposto de renda, já numa faixa alta, e todos os outros encargos”, afirma.
Para Domingos, MEI e Simples Nacional são dois regimes tributários distintos, com propósitos diversos – sendo o principal objetivo do MEI o recolhimento de contribuição à Previdência Social. “A primeira faixa [de tributação para microempresas] – os 4% de alíquota até um faturamento de R$ 180 mil – é bem razoável”, diz.
Conforme o presidente do Sebrae, o problema do salto tributário poderia ser mitigado com um novo aumento do teto de enquadramento do MEI, para R$ 120 mil de faturamento anual. O valor foi defendido pela entidade já na mudança aprovada em 2016, mas, conforme Domingos, houve forte resistência da Receita.
Para a consultora Cíntia, pesquisadora na área de micro e pequena empresas com mestrado pela FEA-USP, isso só empurraria o problema mais para frente, sem resolvê-lo. “O ideal seria ter alíquotas de transição [do MEI para ME] ou uma alíquota efetiva gradativa, estabelecendo as obrigações acessórias conforme o faturamento de cada um”, defende.
A opinião é compartilhada por quem enfrentou o problema de perto. “Acho o MEI até barato demais, poderia haver MEI 1, 2, 3 e então ME, uma escada conforme o crescimento. Mas hoje é oito ou oitenta”, lamenta Capanelli.