O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que a cobrança de tarifa pelos bancos apenas pela disponibilização de um limite maior para o cheque especial é inconstitucional. As instituições financeiras estavam autorizadas a fazer essa cobrança desde quando o governo limitou os juros do cheque a 8% ao mês - ou 151,8% ao ano.
No fim de novembro de 2019, o Conselho Monetário Nacional (CMN) tabelou os juros do cheque especial, que até então era a modalidade mais cara de crédito para as famílias - e usado principalmente pelos mais pobres em momentos de emergência. Na ocasião, o juro médio cobrado no cheque especial chegava a 12,4% por mês, ou 305,9% ao ano.
O limite para os juros do cheque entrou em vigor em 6 de janeiro de 2020. De acordo com dados do Banco Central, a taxa média cobrada pelos bancos no cheque especial em março de 2021 foi de 121,0% ao ano, 30,8 pontos porcentuais abaixo do máximo permitido e 184,9 p.p. menor que os juros praticados antes da medida.
Até então, apesar de representar apenas uma pequena parcela do volume de crédito às famílias, o cheque especial era responsável por uma fatia considerável do resultado dos bancos no Brasil. A modalidade representava somente 1,4% do estoque de financiamentos para as pessoas físicas, mas contribuía com 13,2% da margem de intermediação financeira líquida dos bancos.
Por isso, para enfrentar a resistência dos banqueiros à limitação dos juros, o governo autorizou os bancos a cobrarem uma tarifa mensal de até 0,25% dos clientes com limite do cheque especial superior a R$ 500. Essa taxa é aplicada sobre o valor do limite que exceder os R$ 500 e, caso o cliente de fato utilize o crédito naquele mês, deve ser descontada dos juros cobrados. Ou seja, para um limite de R$ 1.000 no cheque especial, seria cobrado R$ 1,25 por mês, ou R$ 15 por ano.
Foi essa taxa que o STF considerou inconstitucional em julgamento pelo plenário virtual encerrado na última sexta-feira (30), em ação movida pelo Podemos. Por unanimidade, os ministros do Supremo decidiram que os bancos não podem cobrar uma tarifa dos correntistas apenas por disponibilizarem um limite maior de cheque especial, mesmo que os clientes não acessem o instrumento.
O relator, ministro Gilmar Mendes, considerou que a criação da taxa só poderia ter sido feita por mudança de legislação, e não por um mero ato do CMN. Para ele, a criação dessa tarifa para compensar a perda de receitas dos bancos tem características de "taxa tributária". Além disso, representaria uma "antecipação escamoteada" da cobrança de juros, colocando os consumidores em uma posição de vulnerabilidade econômico-jurídica.
Gilmar Mendes considerou ainda que o CMN poderia ter optado por instituir autorização de cobrança de juros em faixas, a depender do valor utilizado ou do limite exacerbado.
"Todavia escolheu modalidade de cobrança que se assemelha a tributo ou a adiantamento de juros com alíquota única (0,25%) ao mês, cerca de 3% ao ano), por serviço não usufruído. Em ambas as situações, aparentemente acoimadas de vícios de inconstitucionalidade", acrescentou o relator, no voto que foi acompanhado pelos demais ministros. "Ou o serviço em si é cobrado, independentemente de quem seja mutuário, ou não pode ser cobrado apenas de parcela dos consumidores dessa modalidade de crédito, tendo em vista que, na sociedade atual, o dinheiro e o tempo são cada vez mais escassos e valiosos", completou.
Em entrevista ao Broadcast/Estadão logo após a adoção da medida, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, usou o argumento da tarifa justamente para rebater as críticas de que o governo estaria tabelando os juros do cheque especial, na contramão da cartilha liberal defendida pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. "Se fosse tabelamento, não tinha tarifa. Os bancos vão poder cobrar tarifa proporcional para quem usa o produto. Se fosse tabelamento, era só colocar limite de juros", afirmou ele, em novembro de 2019.
A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) informou há pouco que nenhum de seus associados cobram tarifas dos clientes que têm um limite maior do cheque especial desde 16 de abril do ano passado, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) publicou liminar suspendendo essa cobrança. Procurado, o BC não se pronunciou.