O debate da segunda onda de contaminação por covid-19 pelo mundo, principalmente na Europa, que poderia tirar a força da recuperação da economia, também acende a luz amarela no Brasil, que não conseguiu se recuperar do primeiro impacto da doença. Ainda que os dados econômicos mais recentes mostrem recuperação mais rápida, a nova explosão de casos no exterior sinaliza que a flexibilização econômica demanda cuidado e pode continuar a limitar a volta do setor de serviços, dependente da livre circulação e também da sensação de segurança da população.
Assim, a sustentação da retomada segue uma dúvida, não só pelo fim próximo do auxílio emergencial (que termina em dezembro) e da reação lenta do emprego, mas também pela dinâmica da própria pandemia.
Para o economista-chefe da Galápagos Capital, Gino Olivares, o Brasil não foi eficiente na gestão do problema sanitário, e isso vai reverberar na atividade. “A recuperação econômica vai demorar mais no Brasil porque a incerteza sanitária ainda vai estar conosco”, disse.
Com desempenho melhor que o previsto no auge da crise gerada pelo novo coronavírus, o Brasil deve ver seu Produto Interno Bruto (PIB) encolher ao redor dos 5% neste ano e saltar 3,5% ano que vem, aponta o Boletim Focus, do Banco Central. Olivares, porém, está mais cético em relação a 2021 e acredita que o crescimento pode não chegar nem aos 3%, como reflexo da situação pandêmica.
“Enquanto não tivermos a vacina, que não chegará tão cedo, as pessoas não vão se sentir 100% confortáveis. Vamos ficar no movimento ‘stop & go’. Os números sobem e depois voltam, como ocorreu no Brasil após o feriado de 7 de setembro e na Espanha devido ao verão europeu”, disse. “Isso afeta a atividade.”
O ex-presidente do Banco Central e atual presidente do conselho do Credit Suisse no Brasil, Ilan Goldfajn, reconhece que o setor de serviços brasileiro retorna à normalidade de forma muito lenta, em linha com o ritmo de superação da primeira onda de contaminação por covid-19 no País.
“Se não quiser chamar a retomada de ‘V’, tudo bem, mas a queda foi intensa e a volta também está sendo mais intensa. A questão é se vamos ter sequelas mais duradouras, e o setor de serviços está preocupando. O shopping, o cinema e a aviação dependem do presencial. Obviamente, se tiver vacina no início do ano que vem, aí teríamos a volta principal”, disse, em evento na terça-feira, 22.
Ilan destacou que, além da evolução da pandemia e do desenvolvimento da vacina, a sustentabilidade do crescimento no Brasil depende da capacidade de manutenção da âncora fiscal, o teto de gastos.
Se muita expectativa é colocada sobre as vacinas, o analista de risco político da Control Risks para Brasil, Argentina e Uruguai, Gabriel Brasil, diz que a abordagem descentralizada adotada para combater a pandemia por aqui pode ser um risco para a distribuição delas. Ele cita, por exemplo, iniciativas de São Paulo e Paraná de contratos paralelos em relação ao governo federal.
“A gente vê já para discussão da vacina a repetição dessa abordagem descentralizada que não deu certo no início da pandemia”, alertou, destacando que o enfrentamento à doença no País é um “fracasso em múltiplas dimensões”. “No Brasil, é difícil falar em segunda onda, se a gente nunca conseguiu se recuperar da primeira.”
Efeito global
Para o economista Alexandre Lohmann, da GO Associados, o Brasil não passará ileso se a retomada global se revelar em “W” - ou seja, com uma nova queda depois da volta do crescimento -, um risco que não é desprezível diante da escalada de casos de covid-19 na Europa e da consequente adoção de novas medidas restritivas. Contudo, o crescimento das exportações brasileiras, na esteira da demanda chinesa por carnes e também dos estímulos ao setor industrial, pode limitar os efeitos negativos.
A recuperação global é um ingrediente adicional para o cenário positivo traçado para os emergentes, que tem como elemento central a vitória de Joe Biden na eleição presidencial aos Estados Unidos, na visão do economista-chefe da Trafalgar Investimentos, Guilherme Loureiro.
A hipótese é de que o democrata deve ter uma relação menos conflituosa na disputa comercial com a China, implicando em um dólar mais fraco. Nesse sentido, se os novos bloqueios econômicos na Europa continuarem localizados, sem um lockdown horizontal, a perspectiva para o Brasil segue positiva. O economista prevê queda de 4,5% do PIB este ano.