A Receita Federal encerrou 2021 com uma arrecadação recorde de R$ 1,8 trilhão, um aumento real de 17,3% em relação a 2020 –ano mais afetado pela pandemia da Covid-19.
De acordo com a Receita, a melhora em relação ao ano anterior foi observada principalmente devido à recuperação de indicadores macroeconômicos –como a produção industrial e a venda de bens e serviços.
Julio Cesar Vieira Gomes, secretário especial da Receita Federal, afirmou que dados preliminares apontam para uma aceleração da recuperação econômica neste ano —apesar de instituições como o FMI (Fundo Monetário Internacional) projetarem um cenário contrário. "Vemos já uma tendência, pelos dados de janeiro, de que essa retomada do crescimento econômico será crescente durante 2022", afirmou.
Ele destacou que a evolução dos indicadores em 2021 pode ser comprovada por dados como a maior arrecadação sobre o desempenho de empresas por meio de IRPJ (Imposto de Renda da Pessoa Jurídica) e CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido).
Juntos, eles renderam R$ 393,1 bilhões em 2021 —aumento real de 31,1% em relação ao ano anterior (em números absolutos, uma elevação de R$ 93,2 bilhões). Em relatório, a Receita ressalta que cerca de R$ 40 bilhões desse avanço decorreram de efeitos atípicos (em geral, movimentações societárias entre empresas).
Entre os tributos que mais impulsionaram a arrecadação em 2021, também estão PIS (Programa de Integração Social), Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social) e Receita Previdenciária.
Além disso, afirmou o secretário, há uma indicação de melhora de renda das famílias devido ao aumento da arrecadação com o IRPF (Imposto de Renda da Pessoa Física), com crescimento de 25% em 2021 (para R$ 58,9 bilhões). Os dados do relatório da Receita, no entanto, apontam que essa arrecadação avançou por outros fatores —como a maior venda de bens pela população.
Gomes diz que programas de conformidade elaborados pela Receita para empresas agirem de acordo com as regras também ajudaram no desempenho do ano. Segundo ele, também houve um efeito de "solidariedade", com contribuintes mais conscientes sobre pagarem seus impostos em dia durante a pandemia.
Claudemir Malaquias, chefe do Centro de Estudos Tributários e Aduaneiros da Receita, ressaltou que os dados preliminares observados em janeiro são referentes principalmente a fatos ocorridos em dezembro e que o desempenho da arrecadação em 2022 deve seguir a economia.
Malaquias reconheceu que os dados apresentados ainda estão sob efeitos da crise da Covid-19 —mas disse que os números estão melhorando. "No ano de 2021, sofremos ainda com a pandemia, mas parte da atividade começa a se recuperar", afirmou.
Parte da melhora observada no ano também foi influenciada por efeitos extraordinários, como a volta da arrecadação com o IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) —que deixou de ter alíquota zero no começo de 2021 e ainda foi elevado no fim do ano. A receita com o item praticamente dobrou em relação a 2020, para R$ 50,8 bilhões.
O real desvalorizado frente ao dólar também impulsiona o valor das importações (medido na moeda estrangeira), o que turbina as receitas de impostos aplicados a produtos que vêm de fora.
Também colaborou o aumento expressivo nas receitas administradas por outros órgãos, rubrica que engloba os royalties do país com petróleo e é influenciada pelo câmbio, pelo preço do barril e pela produção nacional. A arrecadação com esse item teve crescimento real de 50,9% no ano, para R$ 86,7 bilhões.
Por outro lado, alguns fatores não recorrentes tiraram recursos dos cofres públicos. É o caso das compensações tributárias, quando as empresas abatem dívidas tributárias usando créditos a que têm direito perante o Fisco —principalmente devido a decisões judiciais.
O principal exemplo dessas decisões foi a do STF (Supremo Tribunal Federal) de excluir o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) da base de cálculo do PIS e da Cofins. Essa e outras decisões renderam R$ 216,3 bilhões em compensações tributárias aos contribuintes em 2021—um crescimento real de 14,4% em relação a 2020.
Os números da arrecadação observados em 2021 colaboram para o discurso da equipe econômica de melhora nas contas públicas e estimulam iniciativas do governo que reduzem a arrecadação, como as alterações no Imposto de Renda apresentadas no ano passado. Mas analistas alertam que a melhora observada é influenciada por efeitos não permanentes –como a inflação.
Embora o resultado apresentado pela Receita seja atualizado pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), boa parte dos números "escapa" desse ajuste. A inflação de 2021 ficou em 10,06%, mas os preços da gasolina, por exemplo, subiram 47,49%.
Outro ponto levantado por economistas é a mudança de comportamento consumidor durante a pandemia, mais voltado a produtos (mais tributados) do que serviços, por causa do isolamento social.
Juliana Damasceno, economista da Tendências Consultoria e pesquisadora associada do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), afirma que o resultado de 2021 é muito expressivo, mas foi marcado por uma melhora frágil da economia.
"Mesmo no ano em que a gente teve uma certa melhora da atividade, houve uma recuperação ainda muito volátil, incerta e pouco sustentada, e a gente consegue visualizar inclusive taxas negativas de crescimento para produção industrial e venda de bens", diz a economista.
Par 2022, a inflação deve continuar a ajudar por um lado, mas a política fiscal do governo deve agir de maneira contracionista por outro. Para ela, o cenário não garante uma recuperação estrutural da arrecadação —como costuma defender o governo.
"A gente só pode dizer em algo estrutural quando limpa os efeitos conjunturais e, ainda assim, verifica um desempenho positivo. Por mais que a gente tenha em 2022 uma boa arrecadação, ela pode se manter elevada por razões puramente conjunturais e, por isso, não deve nem merece ser comemorada", afirma Damasceno.