Solução para as compras em tempos de pandemia, o avanço do comércio eletrônico causou um enxurrada de reclamações nos Procons. O faturamento do setor aumentou 56,8% nos primeiros cinco meses deste ano, segundo dados da Associação Brasileira do Comércio Eletrônico (ABComm), mas as reclamações aos Procons dobraram.
De janeiro a junho, foram registradas 164.907 queixas relacionadas ao setor. O que representa uma alta de 98% em relação às 82.911 reclamações contabilizadas no mesmo período de 2019.
Produtos que não são entregues ou desrespeito ao prazo informado no ato da compra são as principais queixa dos consumidores brasileiros. Segundo dados do Sistema Nacional de Informação de Defesa do Consumidor (Sindec), que reúne os registros dos Procons, esses tipos de reclamação correspondem a mais de 24% do total registrado contra o setor.
Dificuldade no estorno
A técnica de enfermagem Bárbara Mesquita Bueno foi reclamar do atraso na entrega do computador que comprou para a filha ter aulas on-line e acabou tendo sua compra cancelada pela Americanas.com:
— O pior é que tive que comprar de novo o computador, e aí os preços já não eram mais os mesmos. Desembolsei quase R$ 500 a mais. Agora, espero há dois meses por uma calça que comprei na C&A para trabalhar. Já paguei, mas não consigo saber o motivo da demora. Penso em não comprar mais pela internet, é muita aporrinhação — queixa-se.
Priscila Alves recebeu o ferro de passar roupa um mês após a compra — e só depois de ter reclamado ao Procon-RJ. O prazo previsto para a entrega era de cinco dias:
— As roupas foram se acumulando, e o Ponto Frio não sabia informar o motivo da demora. No fim, a embalagem chegou violada, o ferro todo empoeirado, mas, como funcionava, deixei para lá.
Entre os problemas mais frequentes apontados pelos consumidores estão ainda cobranças indevidas e dificuldades de indenização, caso do psicólogo Leonardo Lima, que briga pelo estorno de um produto que não foi entregue pela Centauro.
— Só soube que não havia o produto em estoque ao ligar para reclamar do atraso da entrega. Desde então, enviei cinco e-mails informando que não queria o crédito, e sim o estorno do valor pago, mas sequer recebi resposta — reclama Lima.
Prova de despreparo
Luciano Timm, titular da Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), órgão do Ministério da Justiça responsável pela compilação dos dados, diz estar acompanhando os números e ressalta que não descarta aplicação de sanção às empresas:
— O setor, assim como aconteceu com o de telecomunicações, claramente não estava preparado para o aumento da demanda. Publicamos nota técnica que responsabiliza as plataformas de venda on-line pela conduta dos vendedores e não descartamos novas regulamentações e processos sancionatórios — afirma Timm.
Felipe Brandão, secretário executivo da Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico (camara-e.net), entidade que reúne as grandes empresas do setor, acredita que a tendência é que essas reclamações diminuam:
— Durante a pandemia, muitos novos consumidores passaram a fazer compras on-line, assim como muitas empresas ingressaram no e-commerce. Há uma curva de aprendizado para clientes e comerciantes. Trata-se de um momento excepcional, em que logística e entrega se tornaram desafios ainda maiores. Temos trabalhado para melhorar esses gargalos e apoiado pequenas e médias empresas nesse desafio.
Cássio Coelho, presidente do Procon-RJ, chama atenção também para os golpes:
— Fora os problemas com os sites reais, os consumidores devem estar alertas com as ofertas falsas, sempre procurar por plataformas confiáveis e desconfiar de preços muito fora do mercado. Antes de qualquer compra, é recomendável fazer uma pesquisa prévia sobre todas as condições, inclusive políticas de troca e cancelamento.
Sobre as reclamações de Barbara, a Americanas.com informou ter resolvido com a consumidora, que disse que receberá a diferença paga pelo computador.
A C&A ponderou que o crescimento das queixas está relacionado ao “aumento histórico na demanda” e a limitações geradas pela pandemia, informando buscar alternativas logísticas. A varejista admitiu que houve problema com a entrega dos Correios, mas disse ter enviado um vale-compras a cliente.
A Via Varejo, que responde pelo Ponto Frio, disse que Priscila já recebeu o produto. A companhia ressaltou ter registrado expressivo crescimento das vendas on-line, que chegou a 260% em abril, em comparação com o mesmo mês de 2019. E acrescenta estar atuando para dar agilidade ao atendimento.
Já Centauro informou que o valor da compra de Lima será estornado.