O governo Jair Bolsonaro prepara uma reforma para que os sindicatos passem a funcionar com a lógica de livre mercado. Pela proposta, o Estado deixaria de ter participação na relação entre empregados e empregadores.
A atuação das entidades passaria a ser fiscalizada pelos próprios associados.
Embora a Constituição garanta a liberdade sindical e a livre associação, há uma série de entraves e um trâmite burocrático junto ao Executivo para que uma entidade saia, de fato, do papel.
Hoje, é possível que alguns sindicatos atuem informalmente. Entretanto, somente com o registro dado pelo governo o sindicato pode exercer todas as suas funções, como ter o poder de acionar a Justiça, como uma entidade, contra uma empresa ou para defender uma categoria.
Membro da Comissão de Direitos Sociais do Conselho Federal da OAB, o advogado trabalhista Mauro Menezes explicou que o registro é também uma forma de garantir o cumprimento da regra de unicidade sindical.
Esse sistema em vigor atualmente veda a existência de mais de uma organização sindical por categoria profissional em uma localidade —seja município ou municípios, seja estado ou estados, seja em todo o território nacional.
“O fato de ter sido eliminado o financiamento obrigatório não elimina a representação única”, afirmou Menezes.
O departamento responsável pelo registro sindical chegou a ser abrigado no Ministério da Justiça, de Sergio Moro, mas voltou para o comando do ministro da Economia, Paulo Guedes.
“Não tem sentido o governo tutelar a relação entre quem trabalha e quem emprega nas questões específicas, que são absolutamente distintas em milhares de empresas no Brasil”, disse o secretário especial de Previdência e Trabalho, Rogério Marinho.
Ao contrário do anunciado no início deste ano, o projeto de reforma sindical do governo deve ser apresentado somente após março de 2020.
As mudanças têm de ser feitas por meio de uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição), que, para ser aprovada, precisa dos votos favoráveis de dois terços dos congressistas em duas votações na Câmara e mais duas no Senado.
O envio do projeto do governo ao Congresso estava previsto para este ano, mas o plano foi adiado. “Pela complexidade do tema”, disse Marinho.
Os detalhes estão em discussão entre técnicos da equipe econômica e um grupo de especialistas e juristas.
“Quem quiser fazer um sindicato no futuro não precisará recorrer ao governo. Por outro lado, o sindicato deverá necessariamente ter representatividade e pertinência para existir”, disse o secretário.
Sindicalistas afirmam que não estão participando do debate com o ministério. Por isso, articularam em paralelo o avanço de outra PEC sobre o tema no Congresso.
“Nosso objetivo é dar maior liberdade para a organização sindical, retirar o Estado da relação entre empregado e empregador e permitir uma relação mais leve entre trabalhadores e sindicatos”, afirmou o deputado Marcelo Ramos (PL-AM), autor da proposta.
A ideia é acelerar a tramitação da proposta, enquanto o time de Bolsonaro ainda finaliza o projeto do Executivo.
“Nossa PEC está para votação na CCJ [Comissão de Constituição e Justiça da Câmara] na terça [10]. Nossa prioridade é fazê-la avançar. A proposta do governo pode ser juntada depois”, disse o deputado Paulinho da Força (Solidariedade-SP).
Nos bastidores, a preocupação dos sindicalistas é que a proposta do governo seja apresentada com amarras que, na prática, acabariam com as entidades. O Brasil tem, hoje, mais de 16 mil sindicatos.
“O que o governo quer é exterminar o movimento sindical. Essa é a vocação dele”, afirmou Ricardo Patah, presidente da UGT (União Geral dos Trabalhadores).
Embora sindicalistas e governo tenham afinidade em alguns pontos —como o fim da tutela do Estado na relação entre sindicatos e trabalhadores e entre as entidades e as empresas—, os dirigentes das principais centrais do país dizem que há um temor em relação à proposta do Executivo para acabar com a limitação para criação de sindicatos.
A ideia é acabar com a unicidade sindical. Com o objetivo de aumentar a concorrência, a equipe econômica de Bolsonaro quer permitir que mais de uma entidade possa representar uma categoria em uma mesma região específica do país.
“É uma liberdade que precisa de um mínimo de regulação. Não pode ser um libera geral”, afirma Clemente Ganz, diretor técnico do Dieese (Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos).
Técnicos também discutem que seja liberada a criação de sindicatos por empresa. A ideia, porém, ainda terá de passar pelo aval de integrantes da cúpula do Ministério da Economia.
Juristas argumentam que a medida elevaria a resolução de conflitos e reduziria o número de processos judiciais. Para os sindicalistas, contudo, a possibilidade de cada empresa ter sua própria entidade de representação enfraqueceria o movimento sindical no país.
No entanto, entidades dizem acreditar que a pulverização da organização, com o fim da unicidade sindical, pode enfraquecer o movimento em prol dos empregados. Algumas centrais defendem uma transição para isso.
“Hoje, os sindicatos negociam para todos os trabalhadores. Se não tiver um mínimo de organização, pelo menos por categoria, não haverá mais segurança jurídica”, afirmou o secretário-geral da Força Sindical, João Carlos Gonçalves, o Juruna.
O projeto em elaboração pelo governo também deve permitir que cada sindicato tenha uma estratégia própria para a filiação do trabalhador e contribuição para a atividade sindical, desde que não seja obrigatória.
“Ela [a contribuição] vai acontecer naturalmente em função da qualidade dos serviços prestados por cada entidade, associação, e principalmente pela ocasião da celebração de acordos e convenções coletivas”, afirmou Marinho.
Sem a restrição para criação de sindicatos, o trabalhador poderia escolher qual organização pretende financiar, defende o governo.
Ex-deputado federal, Marinho foi o relator da reforma trabalhista durante o governo do ex-presidente Michel Temer (MDB), que tornou opcional a contribuição sindical.
Depois que o projeto foi aprovado pelo Congresso, parte das novas regras trabalhistas foi questionada no STF (Supremo Tribunal Federal).
Quando os ministros declararam constitucional o fim da contribuição sindical obrigatória, o ministro Luís Roberto Barroso defendeu que o Congresso desse continuidade à reforma trabalhista e, assim, acabasse com a regra que limita a criação de organizações para representar os trabalhadores.