O programa do governo federal que permite a suspensão de contratos e a redução de jornadas e salários produziu em três meses 11,9 milhões de acordos entre patrões e empregados, número que representa menos da metade (48,6%) dos 24,5 milhões de trabalhadores que o Ministério da Economia projetou beneficiar com a medida.
As alterações trabalhistas foram introduzidas no dia 1º de abril pela Medida Provisórias 936, editada pelo presidente Jair Bolsonaro como uma das ações para enfrentar a crise econômica trazida pelo novo coronavírus. O governo passou a pagar um benefício emergencial aos trabalhadores que entraram no programa pelo prazo de até 90 dias. Os que aderiram logo no início de abril já tiveram seus contratos restabelecidos nesta semana, e o governo agora promete ampliar a duração do benefício. O benefício é calculado com base no valor do seguro-desemprego, variando de R$ 1.045 a R$ 1.813,03.
Empresários ouvidos pelo R7 apontam diversas causas para uma adesão inferior ao número projetado inicialmente pelo governo para o programa e em relação ao total de trabalhadores do setor privado no país – cerca de 31,3 milhões. Entre elas está a disposição de parte das empresas em manterem os empregados; a decisão de outra parte dos empresários de demitir logo ao início da pandemia, tendo em vista a forte queda na arrecadação; a falta de crédito; a obrigatoriedade de aumentar a estabilidade do trabalhador que adere ao programa; e o cenário de incertezas.
Para a Secretaria do Trabalho, órgão do Ministério da Economia responsável pelo programa, a iniciativa tem desempenho “satisfatório” e foi responsável por salvar milhões de empregos. A pasta destaca que o programa vale até o fim do ano, enquanto durar o estado de calamidade pública, e que o ritmo de adesões está “adequado”. A previsão é alcançar 33 milhões de acordos.
Na opinião do presidente do Conselho de Relações do Trabalho da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Alexandre Furlan, os números refletem um cenário até “positivo” dentro do atual cenário e a disposição das empresas em não demitirem, mantendio os funcionários operando na medida do possível. Na indústria, por exemplo, 66% das empresas não demitiram, segundo sondagens da CNI. Uma parte aderiu ao programa do benefício emergencial – 22% suspenderam contratos e 39% reduziram jornadas.
“Quando você precisa demitir e recontratar depois fica muito mais caro. É preciso recrutar e retreinar os novos funcionários”, afirma.
O representante da indústria afirma que parte das empresas tentou outras saídas para manter os empregos que não o programa emergencial do governo. Entre elas está a antecipação de férias vencidas ou futuras, banco de horas e o layoff, uma suspensão prevista na CLT.
A estabilidade de emprego prevista na MP 936 pode eventualmente causar receio em alguns empresários, na avaliação do setor. Uma suspensão de contrato por dois meses, por exemplo, obriga o patrão a manter o funcionário empregado por outros dois meses, sob pena de pagar como indenização ao trabalhador os salários que deixou de custear. Para Alexandre Furlan, no entanto, a queda brusca de faturamento em razão da crise e das quarentenas em um cenário de incertezas são o que explicam os casos de demissões. “Muitas empresas quebraram porque muitas medidas foram adotadas precocemente e ficaram sem faturamento”, diz.
Segundo dados do IBGE, o número de trabalhadores com carteira assinada caiu 6,4% no setor privado se considerado o trimestre terminado em maio, em comparação com o mesmo período do ano passado.
Comércio
O impacto é diferente entre os diferentes setores da indústria e do comércio. No estado de São Paulo, por exemplo, a indústria foi autorizada a continuar operando com protocolos de segurança. Já o comércio de itens não essenciais foi obrigado a fechar, e isso ajuda a explicar a opção por demissões por parte dos empresários do setor, segundo Roberto Lopes, advogado da Divisão Sindical da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). Ele opina que isso ajudou a derrubar o número de acordos pelo programa do governo federal.
A situação foi vivenciada pelo comércio de rua, shoppings, e de forma intensa pelo setor de bares, restaurantes e turismo. “Daí o reflexo negativo na previsão do governo”, afirma.
Ele diz ainda que o governo demorou para agir no sentido de liberar crédito para as microempresas e empresas de pequeno porte, e que o setor enfrenta ainda a burocracia dos bancos para essa liberação e a falta de interesse em atender o pequeno empresário. “Há necessidade de regras flexíveis para que o dinheiro chegue na ponta”, diz.
Outro representante do comércio, o presidente da Federação das Câmaras de Dirigentes Lojistas do Estado de São Paulo (FCDLESP), Maurício Stainoff, afirmou em entrevista ao R7 em junho que o governo buscou ajudar com o programa emergencial, mas que a extensão da pandemia acabou mudando o cenário. Ao início, não se imaginava que a estabilidade extra aos funcionários teria que ser dada com as lojas ainda parcialmente ou totalmente fechadas, como ainda é a realidade do Estado de São Paulo, dependendo da região.
“(A ajuda) foi boa na hora. A caipirinha foi boa, mas vai dar uma dor de cabeça agora na hora da ressaca. Na hora se imaginava que no final de abril, nós teríamos saído desse problema. Muitos teriam fechado a loja de imediato, dispensado, se soubessem a duração da crise. Teriam tomado outra atitude. Entendo que o governo tentou acertar. Nós também defendemos a manutenção do emprego”, disse.
Governo
A possibilidade de prorrogar o programa de manutenção do emprego não constava originalmente da medida e foi introduzida pelo Congresso Nacional. As regras editadas por Bolsonaro, como toda medida provisória, têm validade de 120 dias e precisam ser transformadas em lei para não caducar.
O programa prevê o pagamento do benefício emergencial por até 90 dias. É quanto pode durar a redução de jornada e salário. A suspensão de contrato, porém, tem duração máxima de 60 dias, e o empregador que quiser continuar no programa precisa migrar para redução de jornada por outros 30 dias.
O secretário do Trabalho, Bruno Bianco, já afirmou em entrevistas que o ritmo de suspensões foi maior no início, mostrando que a economia passou a reagir com o tempo. Ele considerou que os 90 dias do programa, nos moldes iniciais, seria suficiente.
Agora, com o avanço da pandemia e a pressão de parte dos empresários, o governo deverá ampliar a possibilidade de suspensão por mais 60 dias e de redução por 30. O decreto deve ser publicado em breve.