As negociações coletivas extraordinárias para acordar mudanças trabalhistas no âmbito crise da covid-19 registram perdas salariais para os trabalhadores desde março. Mas, nas negociações tradicionais de data-base - aquelas que aconteceriam independentemente da pandemia -, foi possível observar algum ganho real, fruto da baixa inflação. Na maioria dos acordos, porém, é provável que esses ganhos só sejam concretizados quando suspensões de contratos e reduções de jornadas expirarem.
As observações constam do último Boletim Salariômetro, da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe). Essa é a primeira vez que o boletim separa a análise dos dois tipos de negociação. Entre as negociações coletivas “para manutenção de empregos”, como chama a Fipe, o reajuste mediano real - descontado o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) acumulado nos 12 meses referentes - foi de -29% em março, -28% em abril, -27,5% em maio e -27% até 19 de junho. Já as negociações de data-base, calculadas apenas em meses fechados, registraram ligeiro ganho de 0,1% em março, perda de 0,3% em abril e reajuste real de 0,5% em maio. O pequeno ganho de maio foi possível porque o INPC acumulado para o período passou de 3,3% para 2,5%, enquanto as propostas de reajuste nominal se mantiveram em 3%.
“Não é muita coisa, porque a inflação foi muito baixa. Mas a maior parte dos trabalhadores conseguiu levar algo acima da inflação, só cerca de 18% das negociações resultaram em reajustes abaixo do INPC”, diz Hélio Zylberstajn, professor da Faculdade de Economia da Universidade de São Paulo (FEA-SUP) e coordenador do Projeto Salariômetro.
Segundo o professor, surpreendeu a equipe a descoberta de que, ao separar os tipos de negociações, na data-base houve ganhos reais. “Não deixa de ser até um pouco animador. Existe uma quantidade enorme de negociações fazendo redução salarial, mas indica que já estão olhando para frente. A ideia pode ser que nos próximos três meses, haverá redução, mas quando tiver reconstituição salarial, já será com o aumento acordado”, explica o professor, lembrando que maio é data-base para várias categorias.
As projeções do boletim indicam que, até dezembro, o INPC acumulado não deve passar de 3%, o que pode seguir abrindo espaço para reajustes reais ligeiramente positivos, nas negociações corriqueiras, diz Zylberstajn.
Desde março e até 19 de junho, a equipe do Salariômetro identificou 2.397 “instrumentos para a manutenção de empregos”, das negociações extraordinárias, como suspensão de contratos ou redução de jornada. Como existe atraso para os dados entrarem na base do Ministério da Economia, Zylberstajn calcula que hoje esse número pode estar beirando os 3.000. “Em uma estimativa conservadora, estaria representando cerca de 500 mil trabalhadores, o que é 5% a mais do que já se negociou individualmente, em torno de 10 milhões de acordos. A Medida Provisória 936 foi criticada por possibilitar o acordo individual, mas ajudou a salvar as negociações coletivas”, diz. O pico de inclusão de cláusulas trabalhistas relacionadas à covid-19 parece ter sido para as negociações coletivas com vigência em abril, que concentram 63% dos registros.
Zylberstajn defende a prorrogação da MP. “Poderíamos ter tanto a prorrogação com o que já está acordado como podem surgir novos acordos. Quem estava com contratos suspenso, por exemplo, pode renovar com redução salarial, as combinações podem ser mais diversas.”
Restrições para demitir o trabalhador em período após a adoção das medidas podem ser entrave para as empresas negociarem novas rodadas, “mas alguma garantia precisa ser dada” diz o professor.
Para Zylberstajn, seria mais eficiente, por exemplo, se o governo federal “pudesse exercer a mesma competência que demonstrou nessa área trabalhista na área do crédito.”