O que fazer para que renegociações não se tornem brigas judiciais

Fonte: O Estado de S.Paulo
04/05/2020
Coronavírus

Em um período sensível como agora, com a pandemia do novo coronavírus, boa parte das empresas tem de fazer renegociações ou suspensões de contratos, tanto com parceiros externos quanto com funcionários. É preciso ter cautela para que essas medidas não provoquem processos judiciais trabalhistas, que podem trazer muita dor de cabeça no futuro e fragilizar a imagem do negócio.

Especialistas recomendam que a empresa seja transparente ao expor a situação financeira e justificar todas as eventuais decisões tomadas. “Estamos em um momento em que tudo gera desconfiança. Na hora de elaborar um bom acordo, é necessária a construção da confiança, e o primeiro passo é ser transparente e muito sincero sobre qual é o momento daquela empresa: se ela já estava com dificuldades ou crescia e se deparou com essa situação específica”, afirma Carina Alvarenga, mediadora de conflitos do escritório Burithi.

“Nesse momento de pandemia, no qual todos estão nessa insegurança, as relações começam a ficar um pouco complicadas e podem ocorrer cortes nas empresas a qualquer momento. Dispensar um profissional não é uma tarefa muito fácil, até porque você tem de ter um discurso muito sincero para que a outra parte possa compreender o que realmente está acontecendo”, complementa Cinthya Okawa, mediadora do mesmo escritório.

Buscar a conciliação de interesses

Durante a renegociação de contratos, é aconselhável que a empresa busque o diálogo com todas as partes envolvidas para construir um consenso e demonstrar abertura. Dessa forma, a companhia, os empregados ou parceiros podem expor suas necessidades e pontos vulneráveis, e chegar a um acordo.

“Como empresária, com voz mais forte e ativa, consigo ter esse momento de escuta com esse funcionário, para que ele saia desse momento fortalecido, e não simplesmente como uma pessoa que está se sentido descartada? Seria, por exemplo, o caso de pensar em fazer um programa de recolocação, estender o seguro-saúde? Preciso da criatividade dos dois lados nesse momento para sair com alguma coisa construtiva, e não simplesmente como uma postura fixa em que eu defini o que é melhor para aquelas pessoas e simplesmente dei uma canetada”, diz Carina.

A mediadora também recomenda a certificação de que as mensagens transmitidas a funcionários sejam compreendidas e que todos os termos estejam claros no momento da negociação: “Por exemplo, o que você considera um período de médio e longo prazo ao comunicar uma medida? Não é vergonha para ninguém checar entendimentos ou fazer perguntas neste momento”.

Modelo de renegociação de contrato

Cada empresa deve analisar qual é a melhor forma de negociar contratos com funcionárias, como acordo individual ou coletivo. Mesmo que a negociação seja coletiva, ainda assim é recomendável que haja um canal para que o colaborador possa expor sua situação. 

“Não dá para dizer se vale mais a pena uma negociação coletiva ou individual. É uma questão de entender qual é a postura da empresa e, em caso de dúvida, procurar o caminho em que o funcionário possa colocar a sua situação (todas as empresas têm de ter esse caminho). Porque a crise é de todos os lados, e todos têm o direito de se manifestar”, diz Cinthya. 

Outra maneira de prosseguir as conversas com os colaboradores é transmitir a vontade de recontratação no futuro, caso seja possível. “É preciso explicar que o momento é delicado, mas que depois você quer retomar as conversas, e expor o que está acontecendo, e como essa relação poderia ser retomada. Novamente, de forma transparente, para que você possa apresentar as vulnerabilidades e estabelecer a confiança”, afirma Carina. 

Uso de mediação

Em alguns casos, para facilitar a elaboração de um acordo, é recomendável a contratação ou convocação de um mediador (também chamado de terceiro neutro) ou de outro representante que não esteja envolvido no processo de renegociação de contrato. “É uma figura que pode ajudar com que cada parte interessada reflita sobre seus próprios argumentos, e muitas vezes surgem alternativas interessantes”, afirma Carina.

Mesmo que haja sindicatos envolvidos nas discussões, deve haver outra pessoa ou instituição que possua uma visão isenta e tente conciliar as necessidades e interesses de empregador, empregado e fornecedor. “O sindicato não é um terceiro neutro, pois ele sempre estará representando um ponto de vista, seja um sindicato de funcionários ou patronal. O mediador não pode ter nenhum vínculo com nenhuma das partes e deve conhecer as técnicas de mediação”, reforça Carina.

“Agora, nada impede que os próprios sindicatos possam sugerir o nome de algum mediador, se o restante concordar com a escolha. Nada impede que haja uma indicação de um terceiro neutro por uma das partes”, acrescenta Cinthya.

Fortaleça a segurança jurídica

Apesar de o momento demandar decisões rápidas e algumas vezes drásticas, os gestores devem ter especial cuidado com as relações trabalhistas e de parceiros, a fim de proporcionar segurança jurídica e não afetar a reputação da empresa.

“Se eu tiver uma enxurrada de ações trabalhistas depois, vou ter a imagem da minha empresa denegrida nesse momento. Será que essa empresa não conseguiu construir nada em conjunto para que essa situação fosse minimamente cuidada?”, diz Carina.

Cinthya aponta para o comprometimento posterior de colaboradores que podem não se sentir seguros com a atitude de seus gestores: “Quando as decisões da companhia são feitas sem a participação de todos, corre-se o risco de gerar um engajamento muito menor para os que ficarem, porque a desconfiança vai permanecer, e terei funcionários que não estão vestindo a camisa”.

O time executivo deve estar perfeitamente alinhado com outras áreas centrais, como o setor de Recursos Humanos e Comunicação, para que todos os funcionários e parceiros externos possam compreender a situação. “Todos os membros devem estar na mesma página, e entender que houve um acordo para garantir o maior benefício para cada lado, e devem se responsabilizar pelas conclusões. Se há uma decisão unilateral, na hora da retomada, fica um apontando o dedo para o outro, o que gera não é produtivo”, conclui Carina.

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