Fintechs da área de contabilidade manifestam preocupação com o novo código de ética aprovado pelo Conselho Federal de Contabilidade. O problema está nos limites que o texto impõe à publicidade contábil. “Decidimos não ficar reféns dos termos gerais do conselho”, diz Jacqueline Jianoti, gerente jurídica da Contabilizei, empresa que entrou com representação no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) este mês para questionar suposta postura anticoncorrencial.
O principal termo que descontentou as novas empresas do ramo, voltadas para tecnologia e atendimento online, foi a “publicidade mercantilizada”. O código, que entra em vigor em junho deste ano, veta esse tipo de propaganda, mas não explica exatamente do que se trata.
“Em tese, mercantilizar seria colocar preço em algo. E o conselho parece ser contrário a que se divulguem preços fixos de serviços que, a rigor deveriam ser definidos caso a caso. Mas atualmente já se pratica uma tabela de preços fixa, dependendo das características dos clientes. Logo, não vejo razão para essa proibição”, argumenta Mauro Fontes, CEO da Contabilivre, outra fintech do ramo.
A insatisfação das fintechs nesse ponto vem em razão do preço mais competitivo que os empreendedores desejam comunicar aos clientes como diferencial de mercado. Fontes explica que suas ponderações não dizem respeito à ética com os colegas que deve existir na hora de divulgar serviços, mas sim em relação ao direito que os consumidores têm de ter acesso à informação completa.
Outras empresas também sentem os efeitos das normas que estão para entrar em vigor. O portal Contador Amigo, que presta serviços de informação fiscal e tem contadores parceiros para a prestação de serviços, reforça a ideia de que os termos do código “dão margem à livre interpretação por parte do agente fiscalizador, o que pode provocar penalizações desiguais ou seletivas”, afirmou em nota. A empresa acredita que o conselho está correto em evitar a banalização da profissão, porém reforça que deve levar em conta as características específicas da internet.
A crítica da Contabilizei, autora da representação no Cade, é justamente a falta de uma definição clara do que seria ou não permitido na hora de divulgar seus serviços. Para a empresa, os termos do novo código que determinam, entre outras coisas, que a publicidade deve ser “discreta” dão margem para barrar a comunicação do diferencial das fintechs com os clientes. “Vejo uma tentativa de contadores tradicionais de não perder mercado. Não vejo outra razão senão protecionismo”, afirma Jacqueline.
O novo e o velho
Segundo Mauro Fontes, contador e administrador de formação, além CEO da fintech Contabilivre, o fato de as empresas de tecnologia do setor serem fundadas por empreendedores que nem sempre têm formação contábil interfere na comunicação e na influência em relação às autarquias dessa área – o serviços, porém, são prestados por contadores.
Ele vê que os profissionais do mercado tradicional têm mais trânsito no conselho, o que direciona as decisões para fazer uma espécie de reserva de mercado. “Há partes do texto que visam prejudicar as empresas de contabilidade online que estão trazendo benefícios para os clientes”, diz.
O CFC nega os questionamentos apresentados pelas fintechs, dizendo que são favoráveis à evolução tecnológica no setor e que “de maneira nenhuma o novo código se trata de pegadinhas para trazer punições futuras”, disse Idésio Coelho, vice-presidente técnico do conselho. “O código não proíbe a divulgação de preços. Ele foi discutido em audiências públicas e estamos seguros de que ele não infringe a legislação, nem os princípios de concorrência”, diz o vice-presidente.
Antes da divulgação do novo texto houve uma consulta pública de uma minuta da autarquia que proibia explicitamente a divulgação de preços de serviços contábeis, sob o argumento de que os valores deveriam ser determinados levando em consideração a complexidade dos serviços. Após a Secretaria de Promoção da Produtividade e Advocacia da Concorrência (Seprac) dar um parecer desfavorável à minuta, dizendo que ela poderia ser contrária aos princípios concorrenciais, é que o texto foi alterado para os termos mais genéricos apresentados.
Coelho, do CFC, define o termo polêmico de publicidade mercantilizada como: “vender como se fosse caneta azul, que só tem um tipo. Serviços, sejam eles contábeis, de mecânica de automóveis ou de medicina, não são assim”, afirma.
Decisão favorável
Uma recente investigação do Cade, justamente contra o Conselho Federal de Medicina, levou a autarquia a revogar uma resolução que coibia profissionais e estabelecimentos de saúde de aceitarem cartões de descontos para consulta médicas, conhecidos como “Cartão de Todos”. A decisão trouxe ânimo aos advogados da Contabilizei.