Medida em estudo pelo governo, a extinção do desconto de 20% nas declarações simplificadas do Imposto de Renda deve atingir a classe média e poupar os contribuintes mais ricos, apontam dados da Receita Federal.
Avaliada como opção para levantar verbas para o novo programa social do governo, a proposta revelada pela Folha nesta segunda-feira (5) foi criticada por especialistas e congressistas.
Levantamento feito pela Unafisco (Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal) separou por faixa de renda os contribuintes que usam o modelo simplificado e têm direito ao desconto automático.
Aproximadamente 40% deles têm renda mensal entre dois e cinco salários mínimos (de R$ 2.090 a R$ 5.225). Outros 37% apresentam rendimento mensal entre cinco e dez salários (de R$ 5.225 a R$ 10.450).
Esses percentuais vão caindo conforme a renda fica mais alta. O uso do formulário simplificado conta com 11,7% de pessoas com renda entre 10 e 15 salários mínimos (de R$ 10.450 a R$ 15.675) e de 8,7% para todas as outras com renda superior a 15 salários.
Hoje, quem opta pelo modelo simplificado tem uma dedução padrão de 20% do valor dos rendimentos tributáveis, abatimento que substitui todas as outras deduções. O limite atual desse desconto é de R$ 16.754,34 por contribuinte.
Com a proposta elaborada pela equipe econômica para ser apresentada ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido), esse modelo seria extinto.
A outra opção existente hoje, e que seria mantida, é a declaração completa, atualmente indicada para quem teve custos que podem ser deduzidos acima dos 20%. Ela permite que a base tributável seja reduzida se o contribuinte apresentar despesas médicas, educacionais, previdenciárias e com dependentes.
Em 2018, dado mais recente disponível, a renda tributável média dos contribuintes que usaram a declaração simplificada foi de R$ 44,6 mil no ano. Os que optaram pela declaração completa tiveram quase o dobro de rendimento, R$ 82,3 mil, em média.
De acordo com os números da Receita, o valor total médio dos bens e direitos do contribuinte que faz a declaração simplificada é de R$ 230,8 mil, contra R$ 411,0 mil dos optantes pelo formulário completo.
O Ministério da Economia argumenta que a medida não vai prejudicar a classe média. A justificativa é que essas pessoas passarão a fazer a declaração completa e terão direito a deduzir gastos com saúde, educação, dependentes e Previdência.
Na avaliação do presidente da Unafisco, Mauro Silva, o argumento não é válido.
Segundo ele, as pessoas apenas optam pelo desconto padrão simplificado porque não têm gastos suficientes para viabilizar uma dedução maior do que 20%. Desse modo, elas passariam a ter um desconto menor, sairiam perdendo com a mudança.
"Quem aproveita o modelo simplificado é o pessoal com renda menos elevada. Quando for para o sistema completo, ele não terá o desconto que tinha antes, não vai ter despesa médica, pode não ter escola particular. Acabará tendo uma dedução menor", disse.
De acordo com o auditor da Receita, a proposta defendida pela equipe econômica atinge pessoas sem renda alta e não pede contribuição dos mais ricos.
"Estariam tirando dinheiro da classe média e da classe média baixa. Estaria tirando o couro de quem? Não seria das pessoas de renda alta. Provocaria uma injustiça tributária", afirmou.
A percepção é compartilhada pela advogada tributarista especializada em Imposto de Renda Elisabeth Libertuci.
Segundo ela, o desconto padrão de 20% foi criado exatamente para dar um alívio para pessoas de classe média que não têm muitos gastos a deduzir.
"A dedução da declaração simplificada é o mínimo que o Fisco te dá de desconto. E esse desconto pode ser maior se a pessoa provar que gastou mais com médico, filhos ou outras despesas", disse.
"Essa medida geraria um efeito na veia da classe média, porque o desconto padrão hoje é algo que você exerce apenas quando seu gasto com educação ou saúde é baixo", afirmou Libertuci.
Em 2019, a advogada enviou ao ministro Paulo Guedes (Economia) uma proposta para usar o desconto simplificado como forma de acelerar a economia. Nela, em vez de aguardar a restituição anual, o contribuinte receberia todo mês um abatimento no imposto retido na fonte.
A ideia, que manteria o modelo simplificado, chegou a ser discutida com então secretário da Receita, Marcos Cintra, mas não foi levada adiante pelo ministério.
No Senado, a possibilidade de extinguir o desconto de 20% concedido automaticamente a contribuintes que optam pela declaração simplificada foi criticada por lideranças.
Major Olímpio (SP), líder do PSL, considerou a ideia como um "chute perigoso do governo". "Pode ter certeza de que vão desistir [governo], pelos questionamentos preliminares, demonstrando que ninguém sabe mais nada", disse.
Para o líder da Rede, Randolfe Rodrigues (AP), a proposta dificilmente encontrará eco no Congresso.
"Acho muito difícil qualquer ideia de aumentar tributação, porque isso é uma forma de aumentar tributação, passar no Congresso", afirmou.
Segundo o senador, seria mais viável aumentar a arrecadação sobre o lucro e fazer um ajuste na reforma administrativa. "Fora esses caminhos, qualquer outro caminho que taxe a classe média é um custo muito alto e não vai passar."