Com votação concluída na Câmara dos Deputados, a Medida Provisória da Liberdade Econômica deve ter sua constitucionalidade questionada no Supremo Tribunal Federal caso passe no Senado e se torne lei.
Jorge Pinheiro Castelo, presidente da Comissão de Direito do Trabalho da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil), diz que a proposta possui um problema em sua origem, pois não se deveria tratar de direitos essenciais a partir de Medida Provisória.
Prerrogativa da Presidência da República, o uso de Medidas Provisórias deveria estar restrito a situações de urgência, pois ela possui um trâmite mais curto do que projetos de lei (60 dias, prorrogáveis por mais 60), oferecendo menor espaço para debates.
Segundo Castelo, um indicativo da falta de urgência da medida seria a inclusão de temas variados nela, adicionando assuntos de direito trabalhista, tributário, econômico, social e agrário.
A opinião é compartilhada pelo advogado Antonio Carlos Matteis de Arruda Junior , sócio da área trabalhista do escritório Velloza:
"A medida está mexendo com cláusulas pétreas, que exigiriam um debate mais amplo. Não existe uma urgência para se tratar de liberdade econômica, pois essa liberdade já está garantida na Constituição."
Inicialmente editada com 19 artigos, a MP foi ampliada na Câmara após receber centenas de emendas de parlamentares e passou a ser tratada como uma míni-reforma trabalhista, continuando as alterações na legislação iniciadas em 2017 durante o governo de Michel Temer (MDB).
Em 2015, na ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) 5127, o STF definiu que o legislativo não poderia fazer emendas a uma MP que fossem relativas a temas diferentes do seu escopo principal. Na época, julgava-se uma MP que, sem tratar da atividade de contadores, , extinguiu a profissão de técnico em contabilidade.
Jorge Luiz Souto Maior, professor de direito do trabalho da USP e desembargador do tribunal regional do trabalho da 15ª região, afirma ver como extremamente grave o uso de uma Medida Provisória para tratar de assuntos díspares.
Em relação ao conteúdo da MP, Souto Maior diz ver na medida uma tentativa de colocar a livre iniciativa como um valor superior aos demais, servindo como norte para a interpretação das outras leis.
Nesse ponto, afirma, a MP vai contra a Constituição, que aponta para o equilíbrio entre a iniciativa privada, o valor social do trabalho e a dignidade da pessoa.
Souto Maior também é crítico em relação às mudanças colocadas pela lei, que ele vê como uma precarização das relações de trabalho.
Entre os pontos negativos, segundo o professor, estão a consideração dos domingos e feriados como dias normais de trabalho: "Isso tende a mudar configurações de relações sociais e familiares", diz, levando em conta que outras atividades, como os dias letivos em escolas, deverão ser mantidos.
Ele também avalia que a autorização para uso generalizado do ponto por exceção (quando o trabalhador apenas anota entradas e saídas em casos excepcionais) irá constranger trabalhadores e levar muitos a deixar de anotar quando fazem hora extra.
Arruda Junior, do Velloza, diz acreditar que a MP pode ser questionada judicialmente tanto em seu inteiro teor como também em pontos específicos que ela estaria retirando.
Segundo a Juíza Noemia Porto, presidente da Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho), essas mudanças que flexibilizam o controle de jornada e generalizam o trabalho em dias de descanso iriam contra previsões da Constituição em seu artigo 7º, que lista os direitos fundamentais do trabalho.
Para Castelo, da OAB-SP, um dos pontos de maior preocupação é a dificuldade que a MP gera para a responsabilização patrimonial de sócios de uma empresa insolvente no pagamento de suas dívidas, inclusive trabalhistas.
A MP restringe que o patrimônio dos sócios seja alcançado em processos de execução quando se comprova que ele se beneficiou de uma fraude ou houve confusão entre seu dinheiro e o da empresa.
No limite, diz Castelo, a lei pode ir contra seu espírito e criar mais burocracia em determinados cenários.
Ele vê risco de burocratização por exemplo, em uma compra de imóvel em construção. Como, em caso de a empresa responsável pela obra quebrar, será mais difícil ao consumidor reaver seu prejuízo, os interessados em comprar apartamentos passarão a pedir mais garantias e fianças antes de fechar negócio, afirma.