Quando a pandemia da COVID-19 deu uma trégua para o comércio, deixando os empreendedores abrirm suas portas e retomar as vendas presenciais, surgiu um outro vilão: a inflação. A alta dos juros causou um efeito cascata, que tem como alvo direto as micro e pequenas empresas brasileiras (MPE). Uma pesquisa realizada pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), em parceria com a Fundação Getulio Vargas (FGV), apontou o índice de continuidade de 85% dos empreendimentos no Brasil, mesmo com o baque gerado pela crise sanitária.
No entanto, os empreendedores têm se sentido pressionados com os elevados preços das mercadorias, combustíveis e insumos. Uma parcela de 62% desse segmento tem feito malabarismo para manter os negócios diante do cenário atual.
Pedro Ribeiro, de 21 anos, proprietário do Restaurante Cúrcuma Tempero Brasileiro, é um desses exemplos. Localizado em Vicente Pires, região administrativa do Distrito Federal (DF), o empreendimento tem dois andares, self-service diário, espaço para realização de eventos e, atualmente, oferece encomendas para ceia de Natal.
Pedro começou no ramo alimentício em outubro de 2019 vendendo frango assado com guarnições, viu uma oportunidade e abriu o restaurante em fevereiro de 2020, com investimento inicial de R$ 150 mil.
O problema foi que uma semana depois teve que fechar devido à pandemia. “A minha situação atual não está das melhores. Precisei recorrer a linhas de crédito, primeiro peguei R$ 75 mil e vendi uma casa, que usei para quitar as dívidas que fiz para iniciar o restaurante. Meu pai também pegou linha de crédito para dar uma guinada no negócio.
Tivemos amigos que forneceram uma certa quantia de dinheiro para nos ajudar, o que em muitos momentos foi importante”, relembrou o jovem.
Na avaliação de Valdir Oliveira, diretor-superintendente do Sebrae no DF, a situação é preocupante, pois os custos diários não abrem espaço para se reinvestir na própria empresa – fundamental para girar o negócio. “Se o crédito não chegar nos mais necessitados, principalmente pelas microempresas, e se não conseguirmos desonerar os pequenos negócios com isenções tributárias e desburocratização para que eles reinvistam em seus negócios, será mais difícil a recuperação”, alertou.
Outro motivo de reclamação frequente tem sido as despesas com gás e energia elétrica, segundo a pesquisa: 77% das MPE sentiram o impacto. Kendy, como é conhecido, é proprietário do salão Kendy Coiffeur e relata que, a crise econômica provocada pela pandemia do novo coronavírus foi a pior que já enfrentou. Mas, no momento, o novo combate é com a conta de luz.
Para o dono do salão, embora o resultado do início do mês seja proporcional ao uso dos instrumentos de trabalho, o preço da energia dobrou. “A alta impactou muito. O salão de beleza consome muita energia. Temos ar-condicionado, secador, lavatório, lavadora, secadora, além da iluminação, que é muita”, justifica.
Sobre a alta dos preços de matérias-primas e insumos, o gerente de Análise Econômica da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Marcelo Azevedo, avaliou que o pior já passou, mas que a recuperação ainda deve demorar. “Tanto a CNI como os empresários já se frustraram muito por achar que essa melhora ia ser rápida e demorou mais do que o previsto, porque esses problemas vão se espalhando pela economia, então é preciso estar preparado”, frisou.
Fim do ano
Normalmente, o fim do ano é a época de mais faturamento para os empreendedores em geral, por isso é tão esperada. Mas, pela análise de Valdir, em 2021, devido ao cenário, ainda não será o suficiente para recuperar o fôlego das MPEs. “Segundo pesquisas, a pequena empresa não suporta, em média, mais que 27 dias sem faturar. Ficaram meses. Estão praticamente todos quebrados. A solução encontrada foi com crédito, em que as pequenas empresas, que tiveram acesso, se endividaram, prejudicando ainda mais a sua capacidade de alavancagem neste momento. O fim do ano, infelizmente, estamos chegando nele com pouco ou nenhum fôlego para aproveitar o melhor momento de faturamento.”
Para driblar a baixa, Oscar André Frank, economista da Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (Fiergs), sugere que os empreendedores precisam encontrar meios de aumentar a receita e reduzir custos. Pedro considera essa equação um desafio, por isso ele iniciou uma consultoria particular que o ajuda semanalmente com questões administrativas, como estratégias de vendas e fluxo de caixa.
Além disso, o microempresário tem feito adaptações na rotina do restaurante, como a dispensa de fornecedor para adquirir produtos com menor preço, idas diárias ao supermercado e abrir mão de fazer estoque. “Ao analisar trabalhar sem fornecedor e indo fazer compras direto no mercado, o preço de cada produto é melhor indo até o mercado, e com a experiência vai conhecendo onde o preço está melhor. Não estou fazendo estoque também, compro o que é mais necessário para o negócio funcionar bem. Todos os dias vou ao mercado. Faço isso porque os recursos financeiros são limitados, então tenho que saber administrar. O restaurante é novo na região, fiz um investimento alto, com um local muito grande, gastos com funcionários, até eu ser reconhecido eu tive muitos gastos e pouco retorno. Estou com dificuldade por causa dos valores dos produtos em achar um preço que eu consiga ter uma boa venda e não espante os meus clientes”, concluiu.
“A falta de produtos faz com que a demanda não seja plenamente atendida. Por sua vez, isso significa menos entrada de recursos. Por outro lado, quando existe uma pressão de custos, isso vai impactar negativamente as margens das empresas, que tendem a reduzir o investimento em si e impactam a questão empregatícia”, avaliou Frank.
Para o especialista, a previsão não é boa, ele acredita que a taxa de desemprego deva se manter elevada em 2022. Ainda como efeito da pandemia, prevê que agora pessoas de fora do mercado de trabalho voltarão a procurar emprego e isso continuará impactando nas taxas, que serão empurradas para cima.
Kendi passou por essa situação. Teve que utilizar um orçamento reserva e, mesmo assim, recorreu a demissões e formas diferentes de contrato para manter o empreendimento funcionando. “A gente está muito preocupada em voltar a trabalhar, é o que a gente tem que fazer agora. Estamos com um fluxo maior de clientes, que estão mais confiantes e vacinados. Em vista de 2020, estamos vivendo um momento excelente. Com relação a 2019, nem tanto”, comentou.