Antes mesmo de as sugestões do Grupo de Trabalho da Aprendizagem Profissional (GT) serem avaliadas pelo Conselho Nacional do Trabalho (CNT), o governo prepara uma Medida Provisória para flexibilizar o cumprimento das cotas do programa Jovem Aprendiz. O Estadão/Broadcast apurou que a minuta da MP - com uma espécie de “força-tarefa” para atingir as metas das cotas de aprendizagem - já foi concluída pelo Ministério do Trabalho e Previdência (MPT) e aguarda apenas o aval do Planalto para publicação, possivelmente ainda nesta semana.
No começo de março, o GT publicou seu relatório final propondo flexibilizações para o cumprimento da cota de aprendizagem (de 5% a 15% do quadro de funcionários), como considerar como base a média de empregados nos últimos 12 meses.
O grupo também propôs que as pequenas empresas – que não têm obrigação de cumprimento da cota – contratem aprendizes em nome de outras firmas que estejam com dificuldades em cumprir a regra. O GT também sugeriu que o cálculo da cota considere todos os estabelecimentos da mesma empresa em um mesmo Estado – para aquelas que já tenham mais de 5% de aprendizes ou tenham porcentual elevado de focalização em público vulnerável.
Outro ponto criticado pelas centrais sindicais e pelo MPT, porém, foi mantido no relatório final do GT. Trata-se da sugestão de se incluir na base de cálculo da cota de aprendizagem as ocupações que exigem formação de nível técnico e tecnólogo. Para os críticos da proposta, a inclusão de tecnólogos – de nível superior – no programa acabará elitizando o programa em detrimento dos jovens em formação mais básica.
Já a MP gestada no ministério vai além e deve propor outras alternativas para cumprimento da cota que já foram atacadas pelas centrais sindicais. Entre elas estaria o cômputo em dobro dos jovens considerados vulneráveis. Ou seja, cada jovem em situação de miséria contratado pelo programa contaria como dois aprendizes para se atingir a cota.
Além disso, os jovens contratados em definitivo pelas empresas continuariam sendo contabilizados – de maneira artificial – como aprendizes por mais 12 meses, apenas para efeitos de cumprimento da cota.
Críticas
A coordenadora nacional de Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente do Ministério Público do Trabalho (MPT), Ana Maria Villa Real, voltou a criticar as mudanças propostas pelo governo no programa e considerou preocupantes tanto o relatório final do GT quanto a proposta de MP que está prestes a vir a público. Segundo ela, as mudanças na verdade prejudicariam o acesso dos adolescentes ao programa.
“Além da alteração do critério da priorização da idade pelo da escolarização, até o alinhamento da aprendizagem com o ensino tecnológico, que é de nível superior, foi proposto no GT. Que justiça social se pretende alcançar com essa proposta elitizante, em um período em que a vulnerabilidade socioeconômica das famílias aumentou imensamente em razão da pandemia”, argumenta a procuradora.
Apesar de reconhecer que é positiva a criação de uma “força tarefa” para o cumprimento das cotas pelas empresas que estão abaixo do que exige o programa, Ana Maria alega que isso já poderia ser feito pela Auditoria Fiscal do Trabalho, sem a necessidade de edição de uma MP.
“A Medida Provisória viria, a toda evidência, para instituir medidas afetas ao campo da reserva legal. O cômputo em dobro de vulneráveis por si só já reduziria a cota em torno de 20%. Há ainda o cômputo fictício de aprendizes efetivados pela empresa como empregados. Ora, se o aprendiz foi efetivado pela empresa, isso significa dizer que a aprendizagem cumpriu com louvor o seu papel”, afirma. “Se a Medida Provisória vier nesses moldes, centenas de adolescentes, que já possuem três vezes mais dificuldades para serem inseridos no mercado de trabalho do que a média nacional, ficarão afastados da possibilidade de ingressar no programa”, completa.
Como revelou o Estadão em janeiro, a intenção original de flexibilizar a exigência da frequência escolar do programa levou a fortes reações das centrais sindicais e de entidades como o Centro de Integração Empresa-Escola (Ciee), que alertaram para os riscos da proposta acabar com o programa. Após as reportagens, a exigência da matrícula foi mantida pelo GT, com destaque no relatório final do grupo.
O deputado Felipe Rigoni (PSL-ES), que preside uma comissão na Câmara para a revisão do programa, chegou a confirmar ao Broadcast/Estadão que a intenção do GT do governo era autorizar mesmo a contratação de aprendizes sem exigir que todos estivessem na escola. O ex-ministro do Trabalho e Previdência Onyx Lorenzoni, porém, sempre negou qualquer plano para desvincular o programa da exigência de matrículas.
Sancionada no fim de 2000, no governo de Fernando Henrique Cardoso, a Lei do Aprendiz determina que empresas consideradas de médio e grande porte devem reservar vagas para adolescentes e jovens de 14 a 24 anos, sem idade máxima para os aprendizes com deficiência. A cota de vagas é de, no mínimo, 5% e de, no máximo, 15% do quadro de funcionários.
Os contratos podem durar até dois anos, e a remuneração mínima precisa ser equivalente ao salário mínimo proporcional às horas trabalhadas, em uma jornada que não pode superar as 6 horas diárias. Além disso, as empresas devem recolher 2% da remuneração para o Fundo de Garantia do Tempo de Serviços (FGTS), e não os 8% dos contratos normais de trabalho.