Diante do imbróglio em torno da reforma do Imposto de Renda, cresceu nos últimos dias a incerteza no governo sobre a possibilidade de o projeto ir adiante e integrantes do Executivo chegaram a mencionar a chance de a proposta ser retirada de tramitação.
Essa hipótese, porém, irritou o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), segundo integrantes do Palácio do Planalto, e a ala política do governo —que agora se esforça para encontrar consenso em torno de uma nova proposta.
Lira já tentou levar o projeto de lei apresentado pelo governo ao plenário por três vezes, mas a deliberação foi adiada por falta de acordo.
A dificuldade de aprovação fez governo e Congresso mudarem a proposta em diferentes ocasiões, aumentando isenções e prometendo mais recursos para municípios em outros projetos.
O relator da proposta, deputado Celso Sabino (PSDB-PA), elaborou o rascunho de uma PEC (proposta de emenda à Constituição) para elevar os repasses da União a prefeitos por meio do FPM (Fundo de Participação dos Municípios). Mas nem isso foi suficiente para aprovar o texto.
Instantes antes da última votação, o Congresso passou a negociar o corte na alíquota de tributação sobre dividendos (no texto, de 20%). O ministro Paulo Guedes (Economia) manifestou preocupação nos bastidores com o caminho das novas alterações, conforme mostrou a Folha.
As várias mudanças reacenderam incômodos no Ministério da Economia com o projeto. Para uma ala da equipe econômica, o texto está ficando com penduricalhos e puxadinhos que afetam as contas públicas e desfiguram até o espírito original proposto pela Receita.
O próprio secretário especial da Receita, José Barroso Tostes Neto, pediu publicamente cautela com o texto na quarta-feira (18) e mostrou preocupação com medidas adicionais que podem ampliar isenções.
“Sabemos que nem sempre o melhor do ponto de vista técnico é o melhor do ponto de vista político, e isso certamente está sendo considerado nas discussões feitas em torno do projeto de lei”, afirmou Tostes em evento do Santander.
Diante das preocupações sobre o texto, aliados do governo relatam que Guedes chegou a manifestar o interesse de retirar a proposta da pauta da Câmara. Mas o movimento gerou reação de Lira, que tem interesse no projeto.
A resposta de Lira fez o governo voltar logo à mesa de negociação. Agora, o Planalto tenta costurar um novo texto com parlamentares.
O temor de auxiliares palacianos é que a Câmara aprove um projeto que a Economia diga depois que não tem como pagar —abrir mão de receita para Estados e municípios— e peça o veto presidencial.
O Planalto vetar um projeto que enviou ao Congresso, depois de todo esse imbróglio, seria desgastante demais para o governo, avaliam.
Parlamentares trabalham com um prazo de duas semanas para elaborarem o novo texto e querem votá-lo em 1º de setembro. Como a Folha mostrou, integrantes do governo procuraram até mesmo a oposição para buscar um consenso.
Entre os pontos que devem ser conversados com a oposição estão a adoção de uma alíquota progressiva na taxação de dividendos. O próprio líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), citou no plenário nesta semana que esse ponto era alvo interesse de parlamentares.
A oposição também defende que a declaração simplificada volte aos critérios anteriores e avaliam que a correção da tabela de Imposto de Renda foi tímida —a faixa de isenção deveria ser maior, na avaliação dos partidos de esquerda.
No Planalto, a possibilidade de retirar o projeto também é mencionada. Mas a ala política procura uma solução.
A maior preocupação entre auxiliares palacianos hoje é o fato de o Auxílio Brasil em 2022 estar em grande parte condicionado à aprovação do projeto do Imposto de Renda.
Sem os recursos dessa arrecadação, o governo precisaria encontrar uma nova e robusta fonte de receita. O Auxílio Brasil é uma das principais promessas de Bolsonaro para a campanha eleitoral.
Uma possibilidade já em discussão no Planalto e na equipe econômica é, como plano B, ampliar o corte em isenções fiscais para gerar recursos para o Auxílio Brasil. A estratégia, no entanto, pode enfrentar dificuldades diante de lobbies no Congresso.
Outro argumento usado no Executivo para se insistir no projeto do Imposto de Renda é que o governo já trabalhou muito no texto e o recuo poderia causar um estrago ainda maior do ponto de vista político.
Uma eventual desistência da reforma pode desagradar Lira, que, desde a campanha para a sucessão de Rodrigo Maia (sem partido-RJ), vem buscando se aproximar do mercado financeiro e é um dos principais defensores de uma reforma no Imposto de Renda.
Lira disse, na quarta-feira (18), que o projeto não irá para a gaveta e que será votado. Além disso, cobrou maior envolvimento dos ministros Ciro Nogueira (Casa Civil) e Flávia Arruda (Secretaria de Governo).
Um eventual impasse com Lira viria num momento especialmente delicado para o governo, que depende dos parlamentares para aprovar diferentes projetos neste ano e já enfrenta desgaste com o Senado e o Supremo Tribunal Federal (STF) em meio à insistência do presidente Jair Bolsonaro em pautas como o impeachment dos ministros da Corte Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes.