Desde o início da pandemia do novo coronavírus, o governo concedeu desconto de R$ 30,2 bilhões a empresas e pessoas físicas que renegociaram dívidas tributárias.
Dados da PGFN (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional) mostram que, para viabilizar os acordos, a União abriu mão de receber cerca de um terço do total devido.
De abril de 2020 a maio deste ano, foram fechados 308 mil acordos envolvendo um débito total de R$ 95,3 bilhões. Em média, cada devedor conseguiu uma redução de aproximadamente R$ 100 mil para quitar dívidas —o prazo para pagamento do valor restante também foi ampliado.
Essas tratativas são resultado da Lei do Contribuinte Legal, em vigor desde abril do ano passado e que regulamentou a chamada transação tributária —mecanismo de renegociação de dívidas voltado a devedores em situação financeira crítica.
Técnicos do Ministério da Economia afirmam que a medida não foi aprovada intencionalmente para fazer frente aos efeitos da pandemia do novo coronavírus, mas foi útil para atender um grande número de empresas abatidas pelas restrições da crise sanitária.
Os descontos concedidos no período seriam suficientes para bancar quase um ano de benefícios do Bolsa Família.
Embora o valor seja elevado, o governo argumenta que esses recursos dificilmente retornariam aos cofres públicos se não houvesse desconto e condições favoráveis para pagamento.
O procurador-geral-adjunto de Gestão da Dívida Ativa da União, Cristiano Neuenschwander, afirma que essas reduções são concedidas apenas a quem realmente precisa.
"A transação tributária é a forma que existe para podermos recuperar a dívida. Em uma situação ordinária, essa dívida é considerada de difícil recuperação e ela realmente não entraria nas contas do governo não fosse essa possibilidade de chegar a um acordo e oferecer uma condição que se encaixa na capacidade de pagamento daquele contribuinte", diz.
De acordo com a PGFN, caso o contribuinte não cumpra o acordo até o final, os descontos são revogados e a cobrança é retomada pelo valor original da dívida.
A lei permite que o governo ofereça descontos de até 100% sobre multas, juros e encargos, respeitando o limite de 70% do valor total da dívida. O prazo máximo para os parcelamentos é de 145 meses.
Para companhias de médio e grande portes, os benefícios são menores, com desconto de até 50% do total do passivo e prazo máximo de 84 meses.
Um dos acordos mais recentes foi firmado com a Abril Comunicações. O grupo de mídia em processo de recuperação judicial assinou renegociação de R$ 830 milhões em dívidas.
Diante de movimentações do Congresso, a equipe econômica tenta combater a ideia da criação de um novo Refis (programa de refinanciamento de dívidas).
Esse modelo difere da transação por não focar em contribuintes que passam por crise financeira e oferecer benefícios a todos os devedores, mesmo aqueles em boas condições de pagamento.
"Aqueles que não precisam têm as condições normais para fazer a regularização das dívidas. O Refis sempre foi genérico, linear, dá desconto até para quem não teve nenhum abalo na crise", afirma o procurador.
No pacote de reforma tributária em negociação com o Congresso, o Ministério da Economia busca o aval dos parlamentares para implementar um passaporte tributário.
A ideia é ampliar o mecanismo da transação tributária, mantidas as premissas que beneficiam contribuintes em dificuldade. No entanto, congressistas articulam a votação de um novo Refis, de autoria do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG).
O projeto, que foi incluído na pauta de votação do plenário da Casa, oferece descontos de até 100% sobre juros e multas, preservado o valor original do débito. O prazo dos parcelamentos chega a 175 meses. O texto ainda permite que empresas usem créditos de prejuízo fiscal para abater as dívidas.
Na justificativa da proposta, Pacheco argumenta que a pandemia do coronavírus comprometeu a capacidade de as empresas pagarem os tributos devidos ao governo e afirma que os termos das transações tributárias têm "importantes impeditivos para a realização de acordos razoáveis", como descontos menores e prazos mais curtos para pagamento.
"O Congresso é que vai definir. O que tem de ficar claro é que [Refis e transação] são modelos diferentes. Tem de ter fundamento técnico e fiscal para dar o desconto", diz o procurador.
Quando propôs ao Congresso as regras de transação, o objetivo da equipe do ministro Paulo Guedes (Economia) era justamente evitar a criação periódica de amplos parcelamentos especiais, criticados por, entre outros motivos, beneficiarem quem deixa de pagar impostos já contando com essas brechas.
Desde a criação da Lei do Contribuinte Legal, foram criadas pelo ministério diferentes iniciativas para renegociar as dívidas.
Em fevereiro deste ano, por exemplo, foi editada portaria que criou regras para a negociação de tributos vencidos de março a dezembro de 2020 e não pagos devido aos impactos da pandemia.
Em março, foi publicada outra portaria que reabriu os prazos para empresas entrarem no Programa de Retomada Fiscal. O texto reúne um conjunto de medidas para estimular a regularização dos débitos.
No momento, está aberto o programa que permite negociar, com desconto e entrada facilitada, débitos referentes ao pagamento de participação nos lucros a empregados sem a incidência das contribuições previdenciárias.
Há ainda a possibilidade de que o devedor faça uma proposta para que seja fechado um acordo individual com a a PGFN. Na visão dos técnicos, regras desse tipo são suficientes para atender os impactados pela crise.
R$ 95,3 bilhões
é o total de dívidas renegociadas com o governo de abril de 2020 a maio de 2021
R$ 30,2 bilhões
foi o desconto concedido pelo governo para viabilizar esses acordos
R$ 100 mil
foi a redução média concedida a cada devedor que renegociou seus débitos
O que é transação tributária
É um modelo de renegociação de dívidas de empresas e pessoas físicas com o governo. Voltado apenas a contribuintes em grave crise financeira, oferece descontos sobre débitos e amplia prazo de pagamento
O que é Refis
É um parcelamento excepcional de dívidas com a União, com descontos e prazos alongados. Difere da transação pelo fato de não ser focada em contribuintes em dificuldade. Os benefícios podem ser concedidos a todos os devedores, mesmo aqueles em boa situação financeira