Cerca de 30% das empresas brasileiras registra falta de produtos ou dificuldade de entrega por parte de fornecedores, de acordo com sondagem especial realizada pelo FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas).
O percentual chega a 47% no varejo e a cerca de 40% na indústria e na construção civil. A média geral é puxada para baixo pelos serviços (10%), setor com nível de atividade ainda baixo e que, em alguns segmentos, depende menos de insumos.
Entre os segmentos, o problema afeta quase 90% das indústrias de vestuário e petróleo e biocombustíveis e fica próximo de 70% na indústria de máquinas e materiais elétricos e no comércio de material para construção. Está acima de 50% nas indústrias de plásticos, têxtil, limpeza e perfumaria e também no comércio de veículos, motos e peças e nos hiper e supermercados.
Destacam-se ainda os comércios de móveis e eletrodomésticos e tecidos, vestuário e calçados, além dos serviços de alimentação, todos com mais de 40% das empresas registrando falta de produtos.
O setor de motopeças foi um que se aqueceu durante a pandemia por conta da demanda por entregas de aplicativos ter crescido, fruto do distanciamento social. Porém, a falta de matérias-primas para manter as linhas de produção virou um problema para o segmento, com alta considerável nos produtos que acabou repassada ao consumidor.
Carlos Alberto Fiorotti, diretor da Plasmoto, especialista em motopeças, relata dificuldades com os altos preços encontrados nos insumos necessários para compor o estoque. "Tem um termoplástico que consumimos aqui que em fevereiro custava R$ 8, em setembro foi para R$ 12 e agora a última compra chegou a R$ 19,50", disse.
Outro problema enfrentado foi na obtenção de caixas de papelão para embalagem dos produtos. O aumento nos preços foi em torno de 70% e muitas empresas só podem atender em dezembro e janeiro. A solução encontrada foi repassar o aumento nos preços aos consumidores.
A Anfamoto (Associação Nacional dos Fabricantes e Atacadistas de Motopeças) apontou que a alta nas matérias-primas alcança 40%, o que levou as empresas a não fazerem estoques durante a pandemia. Assim, a retomada do aquecimento econômico gerou descompasso na produção de insumos.
"As empresas do setor de motopeças já encontram dificuldade em comprar principalmente alumínio, aço, resinas e plásticos. As empresas não fizeram estoques, até para enfrentar a queda no faturamento, por isso não tem como suprir a demanda”, disse Orlando Cesar Leone, presidente da Anfamoto.
Viviane Seda Bittencourt, coordenadora das sondagens do FGV Ibre, afirma que muitos desses segmentos têm em comum a dependência de insumos importados e enfrentam tanto problemas de disponibilidade como de preços, por causa do câmbio mais depreciado. Há também aqueles que viram as vendas aumentarem durante a pandemia e citam a falta de produtos nacionais.
“A gente está vendo uma dificuldade bem grande no setor de vestuário, pois há muitos produtos importados. Limpeza e perfumaria é a mesma questão. Muitos segmentos que estão com alguma dificuldade estão ligados à questão do câmbio. Há uma dificuldade adicional não só de entrega, mas de preço", afirma.
O comércio de material de construção e os hiper e supermercados, que tiveram uma demanda maior nesse período de pandemia, também vêm reportando dificuldade de entrega dos fornecedores.
Os dados do Ibre são semelhantes aos de um levantamento divulgado na semana passada pela CNI (Confederação Nacional da Indústria), no qual 44% das indústrias afirmam estar com problemas para atender seus clientes. A falta de estoques é citada por 47% das empresas. Demanda maior que a capacidade de produção aparece com 41%, enquanto 38% citam incapacidade de aumentar a produção.
“Mais da metade, 55% das empresas, acredita que sua capacidade de atender seus clientes se normalizará apenas em 2021. A percepção sobre o mercado de insumos é menos otimista. Entre os entrevistados, 73% acreditam que só deve melhorar em 2021”, diz a CNI. O segmento de vestuário, mais uma vez, se destaca entre os que têm os maiores gargalos.
Para o presidente do Sintex (Sindicato das Indústrias de Fiação e Tecelagem e do Vestuário de Blumenau), José Altino Comper, a demanda em alta ainda é muito puxada por uma combinação de fatores relacionados à pandemia, como auxílio emergencial, seguro-desemprego e rescisões de contrato pelas demissões.
“Temos a preocupação disso ser uma bolha. Precisamos discutir como vai ser quando os estoques estiverem restabelecidos. Temos uma situação definida por no máximo seis meses”, diz.
O desarranjo vivido pela cadeia de produção de roupas hoje reflete o período de dois a três meses em que as fábricas e facções (confecções terceirizadas) ficaram praticamente paradas.
Em abril e maio, quando elas estariam produzindo as coleções de verão, muitos contratos foram cancelados ou reduzidos. A partir de julho, o comércio reabriu, a demanda esquentou e todo mundo voltou a produzir.
Em outubro, tradicionalmente começariam a preparar as peças do outono/inverno de 2021, mas muitas ainda estão entregando as peças de verão devido ao adiamento da escala de produção.
O preço do algodão é outro fator de estresse para a indústria. Ele já está 50% mais caro do que custava em março. Por enquanto, avalia Comper, a cadeia, em suas muitas etapas, vem amortecendo o preço, mas a situação não é sustentável.
Tito Bessa, da TNG, diz que o algodão está “a preço de ouro”, mais caro e mais difícil de ser encontrado a pronta entrega. A produção, porém, não parou, só vem seguindo em ritmo menor.
A Wondersize, marca de roupas esportivas plus size, chegou a ficar 15 dias com o estoque defasado e a grade de tamanhos “furada”. A dificuldade em comprar tecidos e outros insumos —elásticos estão com prazo de entrega para fevereiro de 2021— levou a marca a uma inversão no processo de produção.
O planejamento para o trimestre do ano, que incluía o lançamento de uma coleção de roupas casuais, precisou ser refeito. Amanda Momente, sócia da Wondersize, diz que a equipe criativa sempre define a coleção primeiro e depois sai em busca de materiais que atendam essas necessidades de produção.
Com o desarranjo da indústria, ela inverteu o esquema: foi ao mercado, identificou o que tinha a pronta entrega e definiu a produção a partir do que havia disponível. Com isso, algumas peças tiveram de ser cortadas da linha, como as produzidas em dry fit.
“Uma vantagem de ser pequena e ter uma equipe com capacidade de decisão é que conseguimos remanejar rapidamente a produção e adequar ao que tinha”, diz.
A preocupação de José Vidal Boareto, da Village Construções, de Curitiba (PR), é com a duração do cenário de escassez de insumos e preço elevado. A falta de prazo para entrega e os preços maiores, até 80% no caso dos cabos, já vêm sendo um desafio para o cronograma de obras iniciadas, mas torna mais difícil da prospecção de novo negócio.
“Vamos executando outras etapas enquanto aguardamos as chegadas de materiais, mudamos os cronogramas”. Um desses atrasos é o de uma compra de aço fechada em junho para entrega em outubro. Já foi adiada.
“Precisamos de uma previsibilidade maior. A indústria [de materiais de construção] está retomando, mas vai conseguir entregar? Vai ter capacidade de nos atender? Eu preciso saber se daqui cinco meses as coisas ainda estarão assim”, diz.