Estados e contribuintes aguardam, com preocupação, a retomada, a partir de sexta-feira (8/10), do julgamento dos embargos de declaração contra a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que definiu a não incidência de ICMS sobre o deslocamento de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular localizados em estados distintos. De um lado, setores produtivos, como as redes de varejo, alegam que podem perder bilhões por ano em créditos tributários. Do outro lado, estados devem perder arrecadação e pedem para que os efeitos da decisão valham a partir de 2022.
Em um primeiro momento, a decisão na ADC 49 foi vista como positiva por setores empresariais porque seria um tributo a menos a ser recolhido na etapa entre a distribuição e a venda da mercadoria. Depois, começaram as hipóteses sobre o destino dos créditos acumulados de ICMS das empresas, quais seriam os impactos nos benefícios fiscais e, por fim, calcula-se que haverá um aumento efetivo na alíquota paga de ICMS.
Em um parecer anexado aos autos na quinta-feira (7/10) por uma das empresas, calcula-se que as dez maiores empresas do varejo brasileiro podem perder R$ 5,6 bilhões de créditos tributários de ICMS por ano, uma vez que cerca de 40% do comércio brasileiro ultrapassa as divisas estaduais em operações dentro da própria empresa. As dez maiores varejistas são: Grupo Carrefour, Grupo Pão de Açúcar, VIA, Magazine Luiza, Lojas Americanas, Raia Drogasil, Drogarias DPSP, Lojas Renner, Grupo Mateus e Guararapes.
O parecer ainda destaca que, da forma como está, sem tempo para as empresas e os estados se organizarem, a ADC 49 traz alteração na distribuição federativa da arrecadação, aumenta a carga tributária efetiva e pode elevar a inflação por conta do aumento dos preços dos produtos. No varejo, as grandes redes terão que reestruturar a cadeia logística e os centros de distribuição.
Segundo informações do parecer, com a imposição imediata dos efeitos da ADC 49, fica extinta a base legal para o uso, na transferência, de créditos acumulados de ICMS provenientes de compras de mercadorias. Assim, o crédito gerado na última etapa da cadeia dentro do estado de origem não poderia ser utilizado no estado em que a mercadoria foi vendida ao consumidor final e onde o tributo foi recolhido.
Dessa forma, há chances de os fiscos estaduais, na ausência de um acordo entre as secretarias de Fazenda, cancelarem parte dos créditos acumulados como consequência da não cobrança do ICMS interestadual.
O regime do ICMS é não cumulativo, dessa forma, o tributo pago na etapa anterior, ao adquirir a mercadoria para revenda, vira crédito tributário e pode ser abatido na etapa seguinte. Pela decisão do STF, o uso do crédito fica restrito ao estado de saída da mercadoria. A empresa vai acumular crédito no estado de origem e não terá crédito no estado de destino do produto, onde, de fato, o ICMS será recolhido.
Segundo o parecer, essa nova situação jurídica vai gerar desequilíbrio no fluxo de caixa porque pode sobrar crédito no estado de onde saiu a mercadoria e no estado em que ela foi vendida, a empresa terá que desembolsar o pagamento em alíquota cheia, geralmente, 18%, e sem poder usar o crédito que ficou em outro estado.
Pedido de modulação
Por isso, neste mesmo parecer, pede-se que, nos embargos, os ministros façam a modulação da decisão para que o entendimento passe a valer, pelo menos, a partir de 2023 – um prazo mais alargado que o pedido pelo estado do Rio Grande do Norte, autor dos embargos. Assim, as empresas ganham tempo para adaptarem os sistemas, aproveitarem os créditos ou conseguirem a aprovação de convênio no Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), de modo a preservar a geração de créditos e a carga tributária efetiva atual.
Especialistas ouvidos pelo JOTA informaram que os estados pensam em resolver a situação dos créditos dos contribuintes e formalizar como ficará a operação sem a tributação da transferência de mercadoria entre estabelecimentos de mesmo dono por meio de um convênio do Confaz. Os estados também pretendem propor uma emenda constitucional para que fique expressa a incidência do ICMS na transferência de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular.
Porém, segundo fontes consultadas pelo JOTA, não há nada marcado ainda sobre o tema e, por enquanto, as negociações não estão no calendário dos secretários de fazenda e governadores. O foco dos estados será tentar aprovar a reforma tributária via PEC 110.
Retomada
A votação dos embargos começou em setembro de 2021 e foi suspensa pelo pedido de vista do ministro Luís Roberto Barroso. O relator, ministro Edson Fachin, acolheu em parte os argumentos do estado do Rio Grande do Norte para que a decisão tenha eficácia a partir do próximo exercício financeiro, ou seja, no próximo ano. Assim, estariam resguardadas as operações do ano vigente. Antes da suspensão do julgamento, Fachin foi acompanhado pelos ministros Cármen Lúcia e Alexandre de Moraes.
Fachin não aceitou o argumento dos estados de que o acórdão foi omisso quanto à eventual possibilidade de estorno dos créditos até então adquiridos pelos contribuintes. Segundo ele, “a decisão, ora embargada, foi clara ao determinar a irrelevância da transferência interestadual de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo contribuinte para fins do ICMS”. Fachin reforçou que a transferência de mercadorias entre unidades da mesma empresa são simples atos físicos ou materiais no processo produtivo e, por isso, não são atos atrativos do imposto estadual.