A crise econômica causada pelas medidas de contenção do coronavírus vem afetando a saúde financeira das empresas. Passada a epidemia, elas podem pedir que o Estado seja responsabilizado por suas dívidas.
As medidas de isolamento social recomendadas pela Organização Mundial da Saúde desaceleram a economia. O Fundo Monetário Internacional projeta queda de 5,3% no produto interno bruto do Brasil em 2020. Com a queda no consumo, o faturamento das empresas também cai. E muitas ficarão sem dinheiro para pagar tributos, fornecedores e empregados.
Quando acabar a crise e a vida voltar ao “normal”, empresas podem pedir que o Estado seja responsabilizado por suas dívidas, com base na teoria do fato do príncipe. Trata-se, de acordo com a doutrina, do poder de alteração unilateral, pelo poder público, de um contrato administrativo. Ou de medidas gerais da administração não relacionadas a um certo contrato administrativo, mas que nele têm repercussão, pois provocam um desequilíbrio econômico-financeiro em prejuízo do contratado. No atual cenário, as medidas do governo relacionadas ao estado de calamidade pública — decretado em função da epidemia de Covid-19 — poderiam, em tese, ser considerados fato do príncipe.
Para fazer o pedido, porém, a empresa precisa demonstrar que o ato estatal era desproporcional e inadequado, em uma ponderação sobre a essencialidade de sua atividade, afirma Thiago Lins, sócio do Bichara Advogados. Ele também diz que a companhia deve provar que a medida do poder pública foi excessiva no grau de restrição e em sua onerosidade e que outra solução menos prejudicial a seu caixa era possível. Por exemplo, o funcionamento em condições restritas e com adesão a protocolos para evitar a propagação do coronavírus.
Segurador universal?
Por outro lado, José Guilherme Berman, sócio do Barbosa, Müssnich, Aragão e professor da PUC-Rio, entende que o Estado não pode ser responsabilizado por prejuízos decorrentes da crise do coronavírus.
“As medidas estão sendo tomadas no regular exercício do poder de polícia e têm se mostrado razoáveis e proporcionais, na medida em que são o único meio eficiente para reduzir os efeitos da pandemia. Admitir o contrário transformaria o poder público em uma espécie de segurador universal, além de ser inviável economicamente”.
Inconstitucionalidade superveniente
Durante a crise da Covid-19, tem havido diversos conflitos federativos e questionamentos sobre a constitucionalidade de normas editadas para combater a doença. Terminada a epidemia, atos estatais fundamentados em leis julgadas inconstitucionais podem justificar pedidos indenizatórios contra União, estados e municípios, ressalta o sócio de Direito Público do Trench Rossi Watanabe Bruno Burini.
Segundo o advogado, as empresas também deverão demonstrar o dano que efetivamente sofreram e que o ente estatal foi responsável por ele, por meio de um ato inconstitucional.
Auxílio a empresas
Ainda que o Estado não responda pelas dívidas que empresas contraíram devido à epidemia do coronavírus, deveria criar planos para facilitar o pagamento delas e a retomada das atividades das companhias, afirmam advogados.
Para facilitar o pagamento de dívidas com credores, o Estado poderia usar os bancos públicos para estender prazos, avalia o sócio de Direito Público e Regulatório do Trench Rossi Watanabe Henrique Frizzo. Dessa forma, o Estado assumiria parte desse crédito.
O problema, segundo o advogado, é que a administração pública já enfrentará dificuldades de caixa com a crise econômica, os subsídios emergenciais aos mais pobres e alívios tributários. “Assim, dificilmente os governos teriam fôlego adicional para lançar programas nessa linha”, opina.
Bancos públicos também poderiam oferecer linhas de crédito favoráveis para as atividades econômicas mais afetadas pela crise, sugere José Guilherme Berman. Ele também recomenda aumentos de prazo, descontos e parcelamentos de dívidas tributárias.
Além disso, o poder público pode estabelecer mecanismos de compensação de dívidas de empresas, analisa Thiago Lins. Outra sugestão dele é a criação de regras mais favoráveis a companhias em recuperação judicial, como vem sendo discutido pelo Congresso.
Medidas do CNJ
O Conselho Nacional de Justiça aprovou uma recomendação para orientar os juízes e uniformizar o tratamento dos processos de recuperação judicial durante a epidemia do coronavírus.
Entre elas, priorizar a análise e decisão sobre levantamento de valores em favor dos credores ou empresas recuperandas e suspender assembleias gerais de credores presenciais, autorizando reuniões virtuais quando necessária para a manutenção das atividades empresariais da devedora e para o início dos pagamentos aos credores.