A pandemia do novo coronavírus tem servido de justificativa para a redução do valor da multa do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) paga a trabalhadores demitidos sem justa causa.
A redução tem respaldo de uma medida provisória do presidente Jair Bolsonaro, mas perde validade se não forem respeitados os critérios estabelecidos pela legislação trabalhista, segundo especialistas em direito do trabalho.
A CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) permite o pagamento da metade da multa quando a demissão é justificada por motivo de força maior que, necessariamente, leva ao fechamento da empresa ou da filial onde o empregado trabalhava.
O valor da indenização, que é de 40% do FGTS depositado durante a permanência do empregado na empresa, cairia para 20%.
Na medida provisória 927, assinada pelo presidente em 22 de março, a Covid-19 é caracterizada como questão de força maior. E é esse ponto que tem gerado a discussão, segundo o professor de pós-graduação da FMU e mestre em direito trabalhista Ricardo Calcini.
“O atual problema que já está sendo enfrentado hoje no Poder Judiciário é que nem toda rescisão contratual pode ser reputada como força maior”, comenta Calcini.
“A rescisão contratual por força maior, apta a justificar a redução da multa do FGTS para 20%, deve ser precedida da necessária extinção da própria atividade empresarial”, explica.
Para Calcini, as diferentes interpretações sobre a aplicação da MP 927 poderão levar ao aumento de ações judiciais trabalhistas.
“Parece que dois caminhos poderão ser trilhados: as rescisões contratuais por força maior ocorridas na vigência da MP 927 não necessitarão de chancela judicial ou milhares de ações judiciais serão ajuizadas para que a situação de força maior seja efetivamente reconhecida em cada caso”, diz.
Distorções e exageros sobre a caracterização da situação de força maior também representam risco de aplicação indevida da regra.
A suspensão temporária da atividade empresarial é um exemplo de situação que não justifica a redução da multa, segundo o advogado Maurício Pepe De Lion, sócio do escritório Felsberg Advogados. “É só no caso da empresa ou filial fechar, definitivamente, e não temporariamente”, diz.
Letícia Ribeiro, sócia do escritório Trench Rossi Watanabe, destaca a importância da medida prevista na CLT para ocasiões extremas, como uma pandemia, mas reforça a necessidade de atenção a possíveis exageros.
“É importante comprovar que o fechamento da empresa se deu especificamente por motivo de força maior, em razão dos impactos da pandemia, e não por razões financeiras independentemente da crise gerada pelo coronavírus.”