Ao longo da pandemia, não faltaram piadas sobre reuniões em que funcionários estavam de camisa social por cima e pijama e chinelo na parte de baixo.
Flexibilizada durante o período, a vestimenta no trabalho é um tema que gera dúvidas tanto dos empregados quanto dos empregadores. Afinal, até onde a empresa pode ir ao determinar o estilo dos funcionários?
Segundo as advogadas trabalhistas Fabíola Marques e Janaina Fernandes, não há uma legislação rígida que defina os limites do que o empregador pode exigir dos empregados, e as decisões judiciais sobre o tema ainda dependem das provas apresentadas e dos juízes.
O artigo 456 da lei nº 13.467, de 2017, estabelece que "cabe ao empregador definir o padrão de vestimenta no meio ambiente laboral, sendo lícita a inclusão no uniforme de logomarcas da própria empresa ou de empresas parceiras e de outros itens de identificação relacionados à atividade desempenhada".
Quando existe a necessidade do uso de uniforme, segundo Marques, a empresa precisa fornecer tudo o que exige. "O empregado não pode gastar para o exercício de suas atividades", diz.
Esse gasto inclui, por exemplo, manicure, cabeleireiro e maquiagem. "Quando são obrigatórios, várias decisões judiciais já reconhecem o direito ao ressarcimento dos valores gastos", afirma Marques.
Segundo Fernandes, o artigo de 2017 da lei não deixa dúvida de que a empresa pode definir um dress code, que funciona como um guia de vestimenta para funcionários. "Mas o dress code que não é o uniforme pago é apenas uma orientação. Qualquer especificação mais detalhada, como pedir determinadas marcas ou cores, deve ser suportada financeiramente pelo empregador", afirma.
Laura trabalhava na recepção de uma empresa com a orientação de usar roupa social. Ela vestia um blazer vermelho quando teve a atenção chamada por funcionários do RH. Mesmo sem restrição prévia de cor, o blazer se tornou ponto de desconforto.
"Disseram que a cor não era adequada para uma recepção, pois chamava muita atenção para outras partes do corpo. Fiquei tão envergonhada que comprei outro blazer no horário do almoço. A gerente de RH passou na recepção e deu um sorriso, falou que estava muito melhor", conta.
Segundo a consultora de estilo e professora da Faap (Fundação Armando Alvares Penteado) Manu Carvalho, profissões do mundo corporativo, além das áreas de direito e finanças, são as que ainda costumam exigir maior decoro. "Elas usam a alfaiataria porque é uma vestimenta antiga, que passa confiança, previsibilidade", diz.
Segundo João Braga, professor de história da moda na Faap (Fundação Armando Alvares Penteado), historicamente a vestimenta de serviço demarcava uma diferenciação social. “O uniforme tira o direito à subjetividade —a pessoa não pode ser ela mesma da forma como quer ser. Ela é de acordo com as regras de conduta e comportamento do trabalho”, diz.
A referência de roupa de trabalho masculino corporativo atual —terno, camisa, gravata, sapato social— veio depois, com a revolução industrial. “Os homens costumavam ser mais enfeitados que as mulheres, mas, com a ascensão do trabalho industrial, precisavam de roupas mais práticas e funcionais”, conta Braga.
A moda, porém, muda com o tempo. A partir dos anos 1980, com a ascensão da "casual friday", as vestimentas de trabalho foram flexibilizadas. "Empresas começaram a liberar o terno e gravata e permitir só a camisa pensando que depois do trabalho o empregado ia sair, se divertir", diz João Braga, professor de história da moda na Faap.
No processo seletivo de estágio da rede Ipiranga, a vestimenta flexível foi um dos benefícios anunciados.
Segundo a diretora de pessoas e organização da rede, Luciana Domigala, a abolição total de diretrizes de vestimenta, implementada há dois anos, foi bem recebida pela equipe. "Quanto mais autêntico um funcionário puder ser, melhor ele vai desempenhar as funções", afirma
Esse tipo de abertura deu espaço para o surgimento de novas discussões sobre liberdade individual no trabalho.
Apesar de nem sempre obrigatório, o uso de maquiagem é um dos aspectos mais demandados de funcionárias.
"Costumo passar só protetor solar, mas no meu primeiro dia eu passei corretivo e rímel. Estava me sentindo supermaquiada. Quando cheguei, a primeira coisa que minha chefe disse é que eu deveria usar mais maquiagem, já que atendíamos aos clientes", conta a arquiteta Caroline, 23, que trabalhava em uma loja de iluminação.
A situação não se restringe ao atendimento --também é comum em escritórios. É o caso de Sílvia, 27, produtora de TV. "Eu ouvi desde 'vai passar uma maquiagem nessa cara' até colegas diretos me incentivando a não comer para perder peso."
A gordofobia, assim como discriminação racial, de gênero e de sexualidade, também aparece na forma de comentários relacionados ao estilo.
Naiara, 23, assistente de operações na indústria química, viu de perto uma situação que considerou discriminatória com uma colega, negra, que havia feito dreadlocks. "Durante o almoço, um funcionário começou a fazer perguntas sobre a higiene do penteado e comentou que, mesmo lavado, aparentava sujeira."
"Se um homem resolve usar saia, batom e unha pintada, ele tem o direito de trabalhar assim", afirma a advogada Fabíola Marques. "E uma empresa não pode exigir alisamento de um funcionário com cabelo crespo. Dependendo da forma como o assunto é abordado, pode ser considerado dano moral e assédio moral", diz.
A consultora de estilo Manu Carvalho, da Faap, afirma que reparar na forma como os chefes e as pessoas que você admira no trabalho se vestem é um bom caminho para entender a forma adequada de se vestir. "Se houver espaço, pense na sua individualidade como algo que pode fortalecer sua posição", diz.
Depois de uma experiência na qual se sentia pressionada a usar maquiagem todos os dias, Maria Thereza deixou a preocupação de lado ao mudar de emprego para uma ONG. "Quando vi que a chefe não usava maquiagem, passei a não usar mais."
Manu Carvalho diz também que não se deve gastar demais no visual. "A moda nunca deve te deixar endividado."
Na pandemia, com o foco na parte superior do corpo, mulheres podem apostar em blusas com tecidos diferentes, brincos e colares. “Na parte de baixo, um short e, nos pés, sandálias tipo Birken ou chinelo”, aconselha.
Os profissionais ouvidos nesta reportagem falaram sob a condição de não revelar seus nomes.