Desde o início da crise, mais de 327 mil pessoas tornaram-se MEIs

Fonte: Correio Braziliense
09/06/2020
Coronavírus

Quando a maior parte das atividades econômicas precisou fechar as portas por conta da pandemia do novo coronavírus, o estudante João Cesar Nogari, de apenas 18 anos, decidiu seguir na direção oposta e abrir o próprio negócio. E não foi o único a empreender neste momento adverso. Dados do Portal do Empreendedor revelam que o registro de novos microempreendedores individuais (MEIs) não perdeu força na quarentena, tanto que o Brasil chegou à marca de 10 milhões em meio à pandemia. Os especialistas dizem que essa tendência deve continuar devido aos impactos econômicos da covid-19. Por isso, o chamado empreendedorismo inicial tem tudo para atingir uma marca histórica no Brasil este ano, com um em cada quatro brasileiros envolvidos na abertura de um negócio.Continua depois da publicidade

De acordo com o Portal do Empreendedor, mais de 327 mil pessoas se formalizaram como MEI no Brasil desde o início da pandemia do novo coronavírus. O total de microempreendedores individuais passou de 9,8 milhões, na segunda quinzena de março, para 10,2 milhões no fim de maio. João Nogari virou MEI há duas semanas. E conta que decidiu empreender, mesmo diante de um cenário adverso, porque sempre quis ter um negócio e viu na quarentena uma oportunidade. “Eu comecei a faculdade de administração neste ano. Mas só tive uma semana de aula e parei por conta da pandemia. Percebi que podia aproveitar o momento para estudar design gráfico e Photoshop, uma coisa que eu gosto e faço como hobby para os amigos”, conta.

Após 30 dias focado em desenvolver a habilidade, decidiu abrir o negócio. “Já tenho três clientes fixos e fiz vários trabalhos avulsos”, revela. O novo empreendedor admite que teve um pouco de sorte na missão, porque precisou de pouco investimento e pode fazer os seus trabalhos de casa. João garante que, com vontade, estudo, dedicação e planejamento, é possível aproveitar o momento de isolamento social para pensar no que se quer para o futuro e começar um negócio. 

Suporte

A vendedora de produtos de beleza Maria de Alves, 51, concorda. Tanto que decidiu formalizar o que vinha tocando de maneira informal na quarentena. Como quer continuar se dedicando ao mercado da beleza, percebeu que teria mais condições de investir no ramo sendo MEI, que oferece a possibilidade de emitir nota fiscal, abrir conta em banco, buscar crédito, fazer cursos de capacitação e contribuir para a Previdência. “Com esse suporte, o negócio pode crescer. Por isso, fiz o MEI no mês passado. Assim que as coisas reabrirem, vou providenciar as notas fiscais e a conta do banco”, diz.

Subsecretária de Desenvolvimento das Micro e Pequenas Empresas do Ministério da Economia, Antonia Tallarida acredita que o período de isolamento social ajudou a despertar a já elevada vocação empreendedora dos brasileiros. Segundo o Sebrae, 37% dos brasileiros sonham em abrir o próprio negócio, 46% veem boas oportunidades nessa ideia e 62% dizem que já têm até os conhecimentos necessários à empreitada. “Muitas pessoas decidiram se reinventar na quarentena. E o MEI traz a possibilidade de fazer isso de maneira formal, permite que a pessoa acesse vários benefícios”, diz Antonia.

Ela lembra que é possível se cadastrar no MEI sem sair de casa, basta acessar o Portal do Empreendedor e inserir os dados pessoais e as informações do negócio. “É preciso definir bem o escopo da atividade, deixando claro o modo de atuação, o público-alvo, o investimento necessário e o fluxo de renda esperado”, explica. Os “MEIs da quarentena” ainda têm o benefício de deixar para depois o pagamento da contribuição mensal do Simples. Para dar um alívio de caixa aos microempreendedores, o governo empurrou para o fim do ano o vencimento das parcelas de abril, maio e junho. O valor não passa de R$ 58,25 por mês.

A tendência de aumento do microempreendedorismo individual não deve acabar com a quarentena. Ao contrário, tem tudo para ganhar ainda mais força. Especialistas explicam que, além de despertar a vocação empreendedora de gente como João Nogari, a pandemia da covid-19 afetou negativamente a renda de milhões de famílias e empresas brasileiras, fazendo com o que desemprego disparasse no Brasil. O cenário de crise econômica e alta do desemprego favorece um outro tipo de empreendedorismo: o de necessidade.

Formalização

Mais de 1,1 milhão de postos formais de trabalho foram fechados apenas em março e abril, segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). Essas pessoas terão que se ocupar. “O MEI é um grande instrumento de formalização empresarial, porque ainda possibilita que essas pessoas mantenham a cobertura previdenciária”, explica o gerente de Políticas Públicas do Sebrae, Silas Santiago.

“O dado de crescimento em meio à pandemia surpreende, porque é um momento econômico adverso. Mas a tendência é de que cresça depois da quarentena por conta da necessidade, porque as pessoas terão que buscar uma nova fonte de renda”, acrescenta o professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), Mauro Rochlin. Ele assinala que a taxa de desemprego do Brasil pode passar dos atuais 12,6% para 15% ou 16%, levando milhões de brasileiros à busca por uma nova ocupação.

Os MEIs da quarentena

Após as crises econômicas, é normal aumentar o número de empreendedores. O Monitor Global de Empreendedorismo (GEM, na sigla em inglês) mostra que a taxa de empreendedorismo inicial, que considera os negócios formais e informais com menos de 3,5 anos, teve picos de crescimento no Brasil tanto na crise de 2008, quanto na de 2015. Na primeira, a taxa saiu de 12%, em 2008, para 15,3%, em 2009, e 17,5%, em 2010. Na última, passou de 17,2%, em 2014, para 21%, em 2015.

O GEM estima que a taxa vai saltar dos atuais 23,3% para o recorde de 25% neste ano em virtude da crise do novo coronavírus. Afinal, antes de a pandemia fechar milhares de postos de trabalho país afora, 88% dos brasileiros que queriam abrir um negócio já admitiam que uma das motivações para empreender era “ganhar a vida, já que o emprego é escasso no Brasil”. O índice era o nono maior do mundo e crescia entre as mulheres (90,8%), os negros (90%) e a faixa etária entre 35 e 54 anos (91,6%), que devem a ser os mais afetados pelo avanço do desemprego e a maior parte dos novos empreendedores brasileiros. 

“Com a pandemia, houve a paralisação de muitas atividades, que levou a demissões. Muita gente ficou sem renda e, por necessidade, vai criar um negócio. Por isso, a projeção é de que um em cada quatro brasileiros estará no grupo de pessoas que tentarão abrir um negócio, seja formal, seja informal”, revela o analista do GEM no Sebrae, Marcos Bedê. 

O especialista orienta, contudo, paciência e planejamento, porque parte dessas empresas que são abertas por necessidade, no ímpeto em meio a uma crise econômica, corre o risco de fechar depois de algum tempo. Como a crise da pandemia será mais forte do que as anteriores, os “MEIs da quarentena” precisam avaliar bem o seu negócio, sem metas de faturamento muito ousadas, porque a retomada será lenta.

Mortalidade

“A taxa de mortalidade dos pequenos negócios varia entre 20% e 30%. E tende a subir quando é a necessidade que puxa o aumento do empreendedorismo. Por isso, é importante identificar uma oportunidade de negócio, estudar o mercado e colocar no papel quanto deve sair e entrar de dinheiro antes de tomar a decisão”, recomenda Bedê.

O ambiente de negócio brasileiro não é favorável ao aumento do empreendedorismo, porque os brasileiros enfrentam burocracia nas políticas públicas, além de falta de apoio financeiro e um clima político-econômico instável.

Segundo o Sebrae, 52% dos microempreendedores individuais pararam de funcionar na quarentena, 89% sofreram queda de faturamento e 68% dos que buscaram empréstimos não tiveram o pedido aprovado pelos bancos. E 32% dos microempreendedores ficaram inadimplentes.

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