O excesso de atividades, a pressão para atingir metas e jornadas exaustivas, em conjunto com as dificuldades impostas aos trabalhadores durante a pandemia, foram responsáveis pelo crescimento de problemas ligados às doenças psicológicas no ambiente laboral. Dados do Ministério da Economia apontam que no ano passado foram 576,6 mil afastamentos de pessoas com depressão e transtornos provocados por enfermidades que afetam a mente, alta de 26% em relação a 2019. Depressão e ansiedade estão como os principais casos de pedidos de afastamentos e de invalidez no INSS (Instituto Nacional de Seguro Social).
A pandemia e o home office aumentaram o risco de doenças psicológicas ligadas ao trabalho, segundo o advogado João Badari, sócio do escritório Aith, Badari e Luchin. “A intensificação da jornada de trabalho, atestadas por estudos que apontam pelo menos o aumento de 10% na carga média laboral nesta pandemia, e a adoção apressada e desorganizada do trabalho remoto agravaram a saúde psicológica do trabalhador. Em 2020, o número de benefícios por incapacidade aumentou em 26%, onde a principal causa são os transtornos psíquicos, como a ansiedade e depressão”, pontua.
Para o advogado Leandro Madureira, sócio do escritório Mauro Menezes & Advogados, a prática de isolamento físico, o temor pela própria vida e de sua família, o cenário político e social de extrema instabilidade e a grande quantidade de vidas perdidas desde o início da pandemia contribuíram significativamente para aumento de doenças de fundo emocional e mental. “Os trabalhadores estão esgotados, mas temem entrar para o absurdo número de desempregados do País. Trabalham doentes, seja pelo medo, seja pela inoperância do INSS nos afastamentos”, analisa.
Na visão do advogado Ruslan Stuchi, sócio do Stuchi Advogados, a intensa competitividade e o uso expressivo de novas tecnologias, além da cobrança de metas cada vez mais difíceis de serem alcançadas, acabam se tornando fatores de risco para o surgimento da doença mental. “Além disso, o uso da tecnologia acaba destruindo as barreiras entre trabalho e vida pessoal, o que torna o trabalhador constantemente conectado ao trabalho”, avalia.
E os funcionários que adoecerem por depressão e esgotamento profissional em razão do trabalho terão reconhecidos o acidente de trabalho, de acordo com a advogada Julia Demeter, especialista em direito do trabalho do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados. “Ou seja, a doença será considerada como doença ocupacional. Portanto, as empresas deverão cumprir os requisitos legais em casos de acidente de trabalho, como garantir o período de estabilidade, emitir o CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho), podendo ainda serem penalizadas na Justiça do Trabalho pelo adoecimento desse funcionário, com o pagamento de danos morais e materiais”, alerta.
A advogada Cíntia Fernandes, sócia do escritório Mauro Menezes & Advogados, observa que é importante que o trabalhador comunique o seu empregador e apresente atestados e laudos médicos para a emissão de CAT. “Caso a empresa se recuse a emitir a CAT, o próprio empregado pode fazê-lo, conforme informações no site da Previdência Social. Ainda que a doença não esteja diretamente relacionada às atividades laborativas ou não exija licença médica, é importante a comunicação do tratamento ao empregador para remanejamento de atividades, a fim de se evitar o agravamento do quadro clínico”, esclarece.
Um reflexo do agravamento dessas enfermidades no cotidiano do trabalhador está no aumento do número de concessões de auxílio-doença por causa de transtornos mentais, como depressão e ansiedade. No ano passado, foram 285 mil concessões, segundo a Secretaria Especial de Previdência e Trabalho. O número representa uma alta de 33% na comparação com 2019, o maior aumento registrado até hoje. Já as aposentadorias por invalidez concedidas por problemas mentais tiveram alta de 25% de 2019 para o ano passado. O número passou de 242 mil para 291 mil.
Empresas devem atuar na prevenção
As empresas possuem papel ativo na prevenção do adoecimento emocional de seus empregados. Marco Aurelio Serau Junior, advogado e professor, orienta que os empresários devem respeitar os direitos trabalhistas elementares, como o limite máximo de jornada de trabalho e o direito à desconexão. “Além disso, podem desenvolver programas de saúde emocional, como conversas entre os funcionários (cafés virtuais), de modo a evitar a sensação de isolamento e propiciar até mesmo certo acolhimento entre seus colaboradores”, indica.
A advogada Cíntia Fernandes ressalta que o artigo 19 da lei nº 8.213 dispõe que a empresa é responsável pela adoção e uso das medidas coletivas e individuais de proteção e segurança da saúde do trabalhador. “No caso de descumprimento das normas de segurança e saúde, a empresa pode ser penalizada administrativamente com a imposição de multas ou, a depender da gravidade, interdição do estabelecimento”.
Serau Junior destaca que as empresas também podem sofrer algum tipo de sanção em relação ao adoecimento de seus funcionários à medida em que tenham dado causa esse quadro. “O que ocorre, por exemplo, na situação de assédio moral. Pode ter alguma forma de indenização pecuniária e, em formas mais graves, até autuação da empresa por parte da fiscalização do trabalho”.
Na Justiça do Trabalho, a maior demanda de processos, segundo Julia Demeter, são o reconhecimento do acidente e o pagamento do pensionamento vitalício por parte da empresa. “Os trabalhadores, na maioria das vezes, perdem a capacidade profissional de exercer as atividades e de atuar novamente na mesma função. Assim, requisitam na Justiça, além da pensão, indenização por danos morais e materiais, bem como, o ressarcimento do período de estabilidade, que por muitas vezes é ignorado pelo empregador”, conclui.