Os limites e as hipóteses de responsabilidade do sócio por dívidas da empresa são relevantes para o desenvolvimento econômico, na medida em que afeta o risco a ser assumido pelos empresários que desejam inaugurar ou expandir negócios no Brasil. Evidentemente, quanto maior o risco, menor o número de empresários que estarão dispostos a enfrentá-los ou, no mínimo, maior será ou deverá ser os lucros por eles esperados. Isso para compensar os riscos assumidos.
A regra da responsabilidade do sócio, naturalmente, varia de acordo com o tipo societário escolhido. A sociedade limitada é o tipo societário adotado em mais de 90% das empresas brasileiras.
Na sociedade limitada, a regra geral é a da absoluta autonomia patrimonial entre os bens da sociedade e do sócio. Os bens particulares dos sócios não respondem pelas dívidas da empresa, exceto em casos e hipóteses expressamente previstas na legislação.
A primeira hipótese de responsabilidade do sócio, de aferição objetiva, é a sua obrigação de aportar na empresa o valor correspondente às suas quotas por ocasião da constituição da sociedade, valor este medido pelo montante do capital social da empresa.
Assim, uma vez integralizado o valor de sua quota, o sócio, em regra, não tem a obrigação de realizar novos aportes para fazer frente a dívidas decorrentes do insucesso da empresa.
A principal e justa exceção à regra geral de autonomia patrimonial é prevista no artigo 50 do Código Civil, cujo objetivo é punir o sócio que abusa da personalidade jurídica da empresa. O abuso da personalidade jurídica, segundo a referida norma, é caracterizado pelo desvio de finalidade e/ou pela prática de uma fraude e/ou pela confusão patrimonial entre os bens próprios e o da sociedade.
Nestas três hipóteses, bem delimitadas pela lei, o sócio terá o seu patrimônio particular alcançado por dívidas da empresa. Observe-se que somente o sócio que cometeu o abuso da personalidade jurídica é quem deve responder com o seu patrimônio pessoal, inexistindo responsabilidade dos demais sócios da empresa que não tenham cometido qualquer ato irregular.
Outra hipótese de responsabilidade dos bens particulares dos sócios é prevista no artigo 28, §5.º, do Código de Defesa do Consumidor. Por esta norma, sempre que os bens da sociedade não forem suficientes para pagar o crédito de um consumidor, os bens dos sócios responderão pela dívida, independentemente do sócio ter cometido qualquer ato ilícito (abuso da personalidade).
A legislação previu, ainda, um limite temporal da responsabilidade do sócio que, por qualquer razão (venda de quotas, exercício do direito de retira, exclusão ou morte) deixa de ser sócio.
Assim, o sócio que saiu da sociedade responde por suas obrigações como sócio pelo prazo de dois anos a contar do registro na Junta Comercial de sua saída da empresa, de acordo com os artigos 1003, parágrafo único, 1.032 e 1.057, parágrafo único, todos do Código Civil.
Entretanto, existe divergência na forma de interpretação das obrigações abrangidas nesse período de dois anos. A divergência de interpretação consiste em saber se o sócio que se retira responde, tão somente, pelas dívidas contraídas até o dia da averbação de sua saída, ou se esse sócio responde, também, pelas dívidas contraídas pela sociedade no prazo de dois anos após a averbação de sua saída.
A maioria da doutrina entende que o sócio retirante responde, por dois anos, tão somente pelas dívidas já existentes até o dia se sua saída. Ele não responde por nenhuma dívida que tenha como fato gerador data posterior à sua saída, ainda que dentro do período de dois anos da averbação da retirada.
Não fosse assim, o sócio que vende a sua parte na empresa seria obrigado a pagar, com o seu patrimônio pessoal, por dívidas contraídas pelos sócios compradores da empresa, vendo-se obrigado a arcar por erros administrativos ou, até mesmo, fraudes cometidas pelos novos sócios da empresa, o que evidentemente não é razoável.
Há quem sustente, contudo, que o sócio retirante responde pelas dívidas contraídas nos dois anos após a averbação da saída do sócio da sociedade. Se esta interpretação vingasse, os sócios vendedores seriam obrigados a se resguardar destas obrigações exigindo que os compradores prestassem garantias – cujo valor seria de difícil aferição – para prevenir este tipo de responsabilidade, o que, certamente, causaria enorme entrave na vende de empresas.
Recentemente, em 5/2/19, o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Recurso Especial n.º 1.537.521/RJ, reafirmou o limite temporal de dois anos de responsabilidade do sócio retirante. O STJ pontuou, ainda, que o sócio retirante somente responde pelas dívidas contraídas até o dia da averbação de sua saída. Ou seja, não responde por débitos gerados posteriormente ao registro de sua retirada.
Essa decisão, além de corretamente interpretar a legislação, traz mais segurança aos empreendedores que, por qualquer razão, decidam deixar as suas empresas.
Marcelo Roitman, advogado especializado em Direito Empresarial e sócio do PLKC Advogados