A Câmara dos Deputados finalizou a votação do projeto que altera as regras do Imposto de Renda, com a análise dos destaques. Apenas um foi aprovado: a redução da taxa sobre dividendos de 20% para 15%.
Esse era um dos principais entraves à aprovação da proposta e foi negociado com a equipe econômica. O texto original encaminhado pelo Executivo ao Congresso previa alíquota de IR de 20%.
Mesmo assim, a reação do mercado foi negativa, e a Bolsa fechou em queda de mais de 2%. O texto ainda precisa ser votado no Senado, onde enfrenta resistências.
A mudança na taxa não foi incluída na versão final do relatório do deputado Celso Sabino (PSDB-PA), cujo texto principal foi aprovado ontem, para não desagradar aos partidos da oposição, que sempre defenderam a taxação de dividendos.
Porém, ficou acertado com os líderes da base que a redução da alíquota do IR seria aprovada durante a votação do destaque, apresentado pelo partido Republicanos.
O líder do governo, Ricardo Barros (PP-PR), reiterou que o presidente Jair Bolsonaro não vai vetar o corte na tributação de dividendos.
Oposição se queixa de quebra de acordo
A redução na alíquota, no entanto, incomodou a oposição. A deputada Fernanda Melchionna (PSOL-RS) afirmou que a manutenção dos acordos era muito importante quando orientava voto da bancada para outro destaque, que reduziria ainda mais essa tributação.
— Nós, de fato, ficamos estupefatos, porque a ampla maioria do plenário reduziu de 20% para 15% a alíquota de taxação de lucros e dividendos, rompendo o acordo que havia sido feito no dia de ontem e que obviamente levou, inclusive, nosso voto favorável ao mérito da matéria, com as nossas ressalvas, com as nossas críticas. Mas, para nós, a compreensão comum é a de que seria 20%. É evidente que 15% é melhor do que nada, mas nós achamos que é preciso taxar ainda mais — declarou.
'Impacto zero', diz relator sem mostrar números
Após a aprovação do projeto, o relator Celso Sabino foi questionado sobre o impacto fiscal das medidas. Além de ter promovido uma redução da tributação dos dividendos, o texto recalibrou os impostos cobrados das empresas e atualizou a tabela do imposto de renda para pessoa física.
— Impacto zero. O nosso projeto tem impacto zero. E, para nós aprovarmos um projeto da Câmara, temos uma consultoria da Comissão de Orçamento que nos exige ter impacto zero. Não vamos ter contribuição alguma para o aumento do déficit fiscal. Ao contrário, essas medidas de desoneração do capital produtivo vão gerar o impulsionamento da economia, que inclusive vai gerar mais arrecadação — disse Sabino.
O relator não apresentou os cálculos, no entanto.
Dividendos no centro da polêmica
A volta da tributação de dividendos foi um ponto sensível da proposta. Isentos de cobrança desde 1995, a volta dessa tributação era defendida pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. O relator chegou a afirmar que era o lobby do capital, que queria manter a isenção, que brecou a tramitação da proposta em outros momentos.
Vários setores empresariais se manifestaram contra a proposta ao longo da discussão alegando que o debate foi açodado e que essa taxação penalizaria empresas, já que o alívio dado na redução do IRPJ não compensaria a nova tributação.
'Votação leviana'
O advogado Gustavo Brigagão, sócio do Brigagão, Duque Estrada Advogados e presidente do Centro de Estudos das Sociedade de Advogados (Cesa), articulou um manifesto que reuniu cerca de 70 entidades contrárias ao texto. A volta desta tributação foi apontada como um problema pelo grupo.
— Essa votação foi leviana. Colocaram uma alteração que é absolutamente drástica, destroem um sistema de 30 anos num debate que não tinha nem um documento oficial. Não tem números para isso. Quando a gente olha, vê que tem um aumento de carga tributária de alíquota nominal. Você verifica que as mexidas, como a diminuição menor do IRPJ para atender a estados e municípios, também acabaram não atendendo — afirmou.
Decisão pode afetar investimentos
Para Luiz Gustavo Bichara, tributarista do Bichara Advogados, o texto poderá ter impactos relevantes no mercado e no investimento do Brasil:
— Apesar de avanços no texto original, especialmente com a redução da alíquota do IR sobre dividendos para 15%, diversos outros temas estão sendo aprovados sem a devida análise dos impactos e suas consequências — afirmou.
Ele cita como pontos de preocupação a tributação da reciclagem de capital dos FIPs, a extinção do juros sobre capital próprio (JCP), tributação das empresas no lucro presumido que faturam acima de R$ 4,8 milhões e retroatividade da tributação dos lucros acumulados.
O advogado ainda pondera sobre a revogação de diversos benefícios fiscais, como dos setores farmacêuticos, químicos e agropecuários.
— Nos parece mais uma moeda de troca para balancear o orçamento do que um estudo detalhado do real impacto financeiro e produtivo para o país — disse.
Apesar da redução da alíquota de IR sobre dividendos, a Bolsa caía mais de 1% nesta tarde, puxada pela queda das ações de bancos.
O texto principal da reforma do IR foi aprovado na noite de ontem, e os deputados deixaram a análise dos destaques, que ainda poderiam alterar a proposta, para hoje. Dos 26 destaques originais, um acordo entre líderes reduziu o total para 17. Apenas o destaque sobre dividendos foi aprovado. Após a conclusão da votação, o texto final seguirá para o Senado.
Os principais pontos da mudança do IR
Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF)
Faixa de isenção
Como é: atualmente estão isentos do IR as pessoas que recebem até R$ 1.903,98 por mês.
Como fica: faixa de isenção é ampliada para R$ 2.500.
Tabela do IR
Como é: última correção da tabela do IR foi feita em 2015
Faixa 1: até R$ 1.903,98: isento
Faixa 2: R$ 1.903,99 até R$ 2.826,65: 7,5%
Faixa 3: R$ 2.826,66 até R$ 3.751,05: 15%
Faixa 4: R$ 3.751,06 até R$ 4.664,68: 22,5%
Faixa 5: acima de R$ 4.664,69: 27,5%
Como fica: proposta amplia faixa de isenção em 31%, provocando um reajuste médio de 13% nas demais faixas.
Faixa 1: até R$ 2.500: isento
Faixa 2: R$ 2.500,01 até R$ 3.200: 7,5%
Faixa 3: R$ 3.200,01 até R$ 4.250: 15%
Faixa 4: R$ 4.250,01 até R$ 5.300: 22,5%
Faixa 5: acima de R$ 5.300,01: 27,5%
Desconto simplificado
Como é: Contribuinte pode optar pelo modelo de declaração simplificado, com desconto de 20%. Não há limite de renda, mas existe um teto de R$ 16,7 mil para uso do desconto.
Como fica: Após proposta do governo de acabar com o desconto simplificado, texto aprovado manteve o modelo. Houve redução do teto para uso do desconto, fixado em R$ 10,5 mil, sem limite de renda.
Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ)
Como é: Atualmente o Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) tem alíquota de 25% (15% da alíquota geral e 10% para ganhos acima de R$ 20 mil). A Contribuição Social sobre Lucros Líquidos tem alíquota média de 9%.
Como fica: Texto combinou uma redução de 8 pontos percentuais nos dois tributos. Para o IRPJ, a redução é de 7 p.p. na alíquota geral a partir de 2022. O imposto para empresas será de 18%. O corte na CSLL é de até 1 p.p., e ela pode ficar em 8% a partir do próximo ano. O texto garante a redução de 0,5 p.p., mas condiciona o restante do corte à redução de benefícios fiscais.
Juros sobre capital próprio
Como é: O JCP é usado por empresas para distribuir lucros aos acionistas e pode ser computado como despesa, para abatimento de impostos.
Como fica: O governo havia sugerido o fim da dedutibilidade do JCP. O projeto prevê o fim do mecanismo.
Tributação de lucros e dividendos
Como é: não são tributados. Os dividendos são isentos no Brasil desde 1995.
Como fica: Foi aprovada uma alíquota de 15%, com isenção para ganhos mensais de até R$ 20 mil para o caso de pessoa física que receba de micro ou pequena empresa, para as empresas do Simples (com faturamento de até R$ 4,8 milhões anuais) e as que optam pelo regime de lucro presumido (com limitação de faturamento até R$ 4,8 milhões), além de liberar a cobrança para os casos de empresas que distribuem os lucros dentro do grupo econômico e para coligadas.
Atualização do valor do imóvel
Como é: declaração mantém valores originais de imóveis. Na venda, imposto cobrado varia entre 15% e 22,5% sobre o ganho de capital.
Como fica: governo vai permitir uma atualização dos valores patrimoniais, com incidência de 5%. Medida só valerá para 2022, com adesões entre janeiro e abril.