A crise do coronavírus, que já compromete a renda e o poder de compra das famílias, pode tirar até R$ 500 bilhões dos bolsos dos brasileiros neste ano. A retração vai levar à redução da demanda e da produção em diversos setores, minando a força da recuperação no pós-pandemia.
Áreas como turismo e transporte já sentem a contração na demanda, mas, com base na queda de consumo observada em outras crises, a tendência é que a retração se espalhe por outros segmentos, até no setor de alimentos.
O consumo das famílias é o principal motor da economia brasileira —equivale a cerca de dois terços do PIB (Produto Interno Bruto).
Segundo cálculos do Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), a suspensão de atividades provocará uma contração de até 8% no consumo das famílias brasileiras e uma queda de até 15% na massa salarial dos trabalhadores. Os números consideram o cenário mais pessimista traçado pela instituição, de uma queda de 7% do PIB brasileiro.
No cenário otimista, que projeta uma retração de 3,4% da economia, o consumo teria um recuo de 4% e os salários de 5,9%, sempre considerando as medidas já anunciadas pelo governo para amenizar a queda na renda dos trabalhadores, que ainda assim ficaria em mais de R$ 200 bilhões.
Se o pior cenário se confirmar, o consumo das famílias registrará o pior resultado da série histórica do IBGE, com início em 1995. Na melhor hipótese considerada pelo Ibre, o indicador praticamente repete o desempenho de 2016, quando recuou 3,8%, diante da queda de 3,3% do PIB —mas essa projeção se torna cada dia menos factível. A queda na massa de salários é recorde nos dois cenários traçados.
O consumo, nos últimos três anos, cresceu a uma taxa média de 2%, praticamente o dobro do desempenho geral da economia. Ou seja, representou um motor importante para evitar a estagnação.
As medidas anunciadas pelo governo para minimizar a perda na renda de trabalhadores formais e informais vai repor apenas parte da redução dos salários. A MP (Medida Provisória) 936 permite que as empresas suspendam contratos de trabalho de seus funcionários e reduzam jornada e salários. Trabalhadores que tenham o contrato suspenso ou reduções de jornada e salário terão um benefício do governo que pode chegar a 100% do que receberiam de seguro-desemprego em caso de demissão (que hoje varia entre R$ 1.045 e R$ 1.813,03).
Esse benefício será acumulado, na maioria dos casos, com o pagamento de uma ajuda compensatória mensal pelo empregador. Mesmo assim, o valor final pago deverá ficar abaixo do rendimento médio dos trabalhadores como carteira, de R$ 2.340.
Para o trabalhador informal, foi criado o programa de auxílio com valores de R$ 600 e R$ 1.200 mensais. Nas duas hipóteses, o valor do auxílio conhecido como "coronavoucher" está abaixo da renda média do trabalhador sem carteira, que é de R$ 1.427.
Mais de 4 milhões de pessoas já estão recebendo compensações, segundo o Ministério da Economia. Há ainda 1 milhão de trabalhadores demitidos desde o início de março e que receberão o valor normal do seguro-desemprego.
O governo também anunciou o reforço do Bolsa Família e o saque extraordinário do FGTS. Sem essas medidas, a contração seria ainda maior.
Sob a ótica da produção, o setor mais afetado pela crise deve ser o de serviços (incluindo comércio), com uma contração de 16% na pior hipótese traçada pelo Ibre, ante queda de 12% na indústria.
Dados da empresa de pagamentos Stone mostram que as vendas dos serviços de turismo e eventos, por exemplo, tiveram queda superior a 90%, segundo dados que comparam os períodos de 5 de janeiro a 21 de março e de 22 de março a 17 de abril. Também houve queda nas vendas de softwares, peças para veículos, flores e material de construção.
Levantamento da Nielsen que inclui hipermercados, supermercados e redes de mercados de vizinhança, Cash&Carry (as chamadas redes de atacarejo) e farmácias mostram que o consumo de alimentos nesses estabelecimentos cresceu, mas isso não significa necessariamente ganhos para todas as empresas envolvidas nessas cadeias.
O aumento foi de 12% em relação ao mesmo período do ano passado, sendo que cerca da metade do crescimento se deu a partir da acumulação de estoques para despesa na segunda quinzena de março, fator que pode estar distorcendo o resultado.
"Nesse período acumulado, a gente vê um movimento de ganho de consumo, acima do que se costuma vender, bastante puxado pelo início do isolamento, na semana de 22 de março. Foi uma semana de crescimento muito expressivo, um patamar de vendas que chegou a ficar em linha com a venda da Black Friday do ano passado. Algo atípico para um mês de março", afirma Fernanda Vilhena, gerente de atendimento ao Varejo da Nielsen Brasil.
Vilhena diz que os números mostram apenas as vendas feitas a pessoas físicas ou pequenos varejistas, aqueles que vão a esses estabelecimentos. Não inclui parte relevante da venda de alimentos, que é feita, por exemplo, para redes de restaurantes, que restringiram suas atividades por causa da quarentena.
Dados da POF (Pesquisa de Orçamentos Familiares) de 2017-2018 mostram que um terço dos gastos do brasileiro com comida eram alimentação fora do domicílio. Dois terços foram feitos com alimentação na residência, mas essa relação deverá se alterar em 2020 por conta da quarentena.
Além disso, muitos varejistas tiveram aumento de custos, por causa da alta de preços e das medidas necessárias para ampliar medidas de higiene de forma a proteger clientes e funcionários.
"Embora o resultado das vendas seja muito positivo, os custos aumentaram muito, com limpeza de lojas, revisão da parte logística, alguns adaptaram para separar quem está no caixa do consumidor. Os produtos também estão mais caros e não dá para repassar para o consumidor. As vendas estão acontecendo, mas na hora de colocar tudo na balança, nem sempre o resultado é positivo", afirma a gerente de atendimento ao Varejo da Nielsen Brasil.