Um caso de desistência da guarda de duas irmãs em Uberaba, no Triângulo Mineiro, gerou indignação na comunidade jurídica brasileira. O casal envolvido desistiu da guarda das crianças, quatro anos após iniciar o processo de adoção, alegando que não foi possível "criar vínculos" com elas. Para a advogada Silvana do Monte Moreira, presidente da Comissão Nacional de Adoção do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, o caso representa "enorme retrocesso".
"Pessoas como essas não entendem o que é adoção, não têm consciência do que é parentar com responsabilidade. Filhos, nascidos de nós ou para nós, são iguais em direitos e deveres, não há diferenciação alguma. Descartá-los como objetos é um verdadeiro crime cometido contra sujeitos de direitos absolutamente vulneráveis", afirma.
De acordo com informações do Ministério Público de Minas Gerais – MPMG, as irmãs, antes de serem adotadas, foram levadas para um abrigo na cidade de Sacramento, em 2017, por conta da situação de violência e negligência às quais eram submetidas. Meses depois, já em 2018, o casal, que estava na fila de adoção, conheceu as crianças e iniciou um estágio de convivência.
Os dois conviveram com as meninas por quatro meses até manifestarem interesse pela guarda definitiva, recebendo um parecer positivo do setor psicossocial do Juízo de Sacramento. Nessa época, as irmãs já apresentavam vínculo de afetividade com os futuros pais e vontade de morar com eles, segundo parecer.
Após quatro anos, o homem e a mulher resolveram desistir do processo de adoção, que já estava na fase de finalização. Ouvidos por uma equipe da área psicossocial, foi constatado que os dois não estavam dispostos a acolher as meninas integralmente. Além disso, foi constatado que o casal nutre uma grande rejeição por uma das irmãs.
Agora, o MPMG propôs uma Ação Civil Pública - ACP pedindo que as duas irmãs sejam indenizadas por danos morais e materiais. O processo propõe o pagamento de mais de R$ 100 mil para cada uma.
Reabandono
"Não há valor no mundo que diminua a dor de um reabandono. Esse valor ajudará as irmãs a lidarem com esse sentimento de menos valia, servirá para ajudá-las a ter autonomia. É um valor educativo para quem é apenado", avalia Silvana do Monte Moreira.
"As condutas omissiva e comissiva desses adotantes, que não cumpriram com seus deveres parentais, causaram violação à integridade corporal, psicológica e emocional das irmãs, além de terem feito as crianças perderem a chance de serem filhas de outra família, o que configura descumprimento das obrigações parentais e gera direito à indenização por danos morais, emocionais e alimentos", ela acrescenta.
A advogada considera "um verdadeiro acinte" a alegação de falta de vínculo. "Os vínculos se tecem no dia a dia e se solidificam ao longo da convivência. Pessoas que alegam não construção de vínculos em tamanho tempo são inaptas ao exercício da parentalidade responsável de qualquer criança", afirma.
Silvana do Monte Moreira destaca que casos como esse não são incomuns e há, inclusive, situações em que a desistência da guarda se dá em tempo superior, com o processo já sentenciado, e sem que tenha havido o apenamento dos envolvidos.
"É preciso que em todos os casos de devoluções efetuadas por pais e mães em guarda provisória para fins de adoção, ou já com a adoção sentenciada, ocorra o processo movido pelo Ministério Público para apuração de responsabilidade, destituição do poder familiar por abandono, indenização e alimentos. Adoção não é brincadeira, não é 'test drive'", ela defende.