O presidente Jair Bolsonaro editou um decreto nesta segunda-feira que inclui academias, salões de beleza e barbearias na lista de serviços essenciais. A intenção é que estas categorias sejam preservadas em decretos de restrição de circulação de governadores e prefeitos. O anúncio pegou de surpresa o ministro da Saúde, Nelson Teich, que disse que a decisão não passou por ele.
Na semana passada, o presidente já havia incluído construção civil e atividades industriais na lista. O decreto de Bolsonaro, publicado em edição extra do Diário Oficial da União (DOU), faz uma ressalva de que devem ser "obedecidas as determinações do Ministério da Saúde".
— Saúde é vida. Academias, salões de beleza e barbearias foram incluídas em atividades essenciais — disse o presidente, ao retornar para o Palácio da Alvorada nesta segunda-feira.
Questionado sobre a declaração do presidente, Teich disse que não tinha conhecimento da medida e que ela não passou pela pasta.
— Se você criar um fluxo que impeça que as pessoas se contaminem, se criar condições e pré-requisitos para que você não exponha pessoas a risco de contaminação, você pode trabalhar retorno de alguma coisa. Agora, tratar isso como essencial, é um passo inicial, que foi decisão do presidente, que ele decidiu. Saiu hoje isso? Falou agora? — questionou Teich, em entrevista coletiva.
O ministro teve que confirmar com os jornalistas quais atividades estavam sendo impactadas:
— Decisão de? Quem é...Manicure, academia? Isso aí não é...Não passou, não é atribuição nossa. Isso é uma decisão do presidente.
Após uma insistência sobre a participação da Saúde na medida, Teich ressaltou que é o Ministério da Economia que define quais são as atividades essenciais, e que sua pasta só auxilia na implementação da medida:
— A decisão de atividade essencial hoje é do Ministério da Economia. Onde o Ministério da Saúde pode e deve ajudar (é) ajudando a desenhar os fluxos, se essa decisão é tomada, como isso deveria acontecer. Mas decisão de ser essencial ou não é mais uma decisão da Economia mesmo. Se for o caso, a gente participa ajudando a desenhar uma forma de fazer que proteja as pessoas.
Questionado sobre se o Ministério da Saúde deveria ser ouvido antes da definição, Teich disse que precisa "pensar melhor":
— Honestamente, tenho que pensar melhor nessa pergunta. Nesse momento, a resposta seria não, porque é atribuição do Ministério da Economia e eu vejo a Saúde ajudando.
A União pode, de fato, disciplinar a questão, mas não dará a palavra final sozinha. Governos estaduais e municipais também têm autonomia de gestão.
Decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) no dia 15 de abril determinou que o governo federal pode coordenar as diretrizes de isolamento a serem seguidas em todo o país, mas não tem poder para retirar a autonomia dos estados e municípios na gestão local.
O plenário do STF declarou que governadores e prefeitos têm poderes para baixar medidas restritivas no combate ao coronavírus em seus territórios. Eles podem determinar temporariamente o isolamento, a quarentena, o fechamento do comércio e a restrição de locomoção por portos e rodovias.
Na ocasião, o Supremo também estabeleceu que estados e municípios têm poderes inclusive para decretar quais serviços são essenciais durante a pandemia, determinando quais setores não devem paralisar suas atividades.
Especialistas criticam medida
A ampliação do que pode ser considerado serviço essencial não foi bem recebida por especialistas. Para eles, este não é o momento de reabrir mais estabelecimentos que levariam mais pessoas às ruas e as colocaria em situação de aglomeração.
— Se pensarmos na saúde mental e bem estar das pessoas, é uma medida válida. Porém, do ponto de vista que estamos num momento em que é fundamental contermos a velocidade de propagação do novo coronavírus, já que a curva de crescimento de casos e óbitos não para de crescer, a medida é irresponsável — avalia Leonardo Weissmann, infectologista conselheiro da Sociedade Brasileira de Infectologia.
Para Alexandre Schwarzbold, infectologista da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), publicar um decreto que permite a reabertura de academias e salões de beleza em todo o país é um equívoco. O ideal seria estudar as condições de cada região para apontar o que pode ou não abrir.
— Considero essa atitude do governo como mais uma informação contraditória que se dá para a população, dado que temos a orientação em muitas capitais do país de um aumento do isolamento social, causada pela preocupação com o crescimento no número de mortos. Talvez o mais correto seja, a partir da percepção de que temos muitas diferenças e heterogeneidades nas regiões do Brasil, no que diz respeito a número de casos e de óbitos e estrutura de saúde, desenhar um mapa de planejamento de risco de casos. Este mapa pressuporia a possibilidade de abrir alguns serviços, sejam eles de que tipo for, e em algumas regiões, e em outras não — afirma.
O infectologista dá o exemplo modelo de distanciamento controlado aplicado no Rio Grande do Sul que divide o estado em áreas com mais e menos risco, indicando o que pode ou não funcionar nestas regiões.
Na visão do professor titular de epidemiologia da UFRJ Roberto Medronho, as medidas deveriam estar na direção da restrição e não da abertura:
— Esta é uma uma medida incorreta. No momento, especialmente nas regiões onde a curva epidêmica está em franca elevação, eu recomendo o lockdown.