Com a retomada da lucratividade das empresas e a alta dos preços de matérias-primas, a arrecadação de impostos e contribuições federais fechou o ano em R$ 1,878 trilhão, o melhor resultado da série histórica, iniciada em 1995. O recorde anterior era de 2014, de R$ 1,873 trilhão – dado corrigido pela inflação.
O valor representa um crescimento real – já descontada a inflação – de 17% na comparação com R$ 1,479 trilhão de 2020, ano marcado pelo começo da pandemia.
Na série corrigida pela inflação, o resultado de 2021 chega a R$ 1,971 trilhão, mas a expectativa de economistas ouvidos pelo Estadão é de que o comportamento não deve se repetir neste ano, pelo ritmo mais fraco da atividade.
O Fisco, porém, acredita que os dados prévios de janeiro apontam para uma retomada crescente.
“Tivemos aumento expressivo em tributos sobre lucros e rendimentos das empresas e também no imposto de renda de pessoas físicas”, diz o secretário especial da Receita Federal, Julio Cesar Vieira Gomes.
O chefe do Centro de Estudos Tributários e Aduaneiros da Receita Federal, Claudemir Malaquias, detalhou que houve uma alta expressiva na arrecadação dos setores de metalurgia e extração de minerais.
Segundo o pesquisador Bernardo Motta do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), o crescimento na arrecadação de 2021 recompõe a perda real de 7% que houve em 2020 em relação ao anterior e supera em 9%, em termos reais, a arrecadação de 2019, quando não havia pandemia.
Motta diz que os fatores que levaram a esse crescimento surpreendente foram conjunturais: o desempenho da demanda e dos preços das matérias-primas (commodities), o câmbio, a inflação (que acaba desembocando em mais tributos recolhidos) e a própria recuperação da economia.
Em 2022 alta de receita não deve se repetir, dizem economistas
O forte crescimento da arrecadação de tributos federais em 2021 foi um resultado puxado por fatores atípicos, e que não devem se repetir neste ano, segundo economistas especializados em finanças públicas ouvidos pelo Estadão/Broadcast.
Isso confirma a perspectiva de um rombo maior nas contas públicas, sinalizado pelo governo em R$ 79,3 bilhões para 2022, mais que o dobro dos R$ R$ 38,2 bilhões de resultado negativo de 2021, nas projeções da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado.
O economista Tiago Sbardelotto, da XP Investimentos, avalia que a arrecadação deve perder fôlego em 2022, entre outros motivos, pela redução projetada para a inflação (metade da verificada em 2021) e pela redução esperada no dinamismo da atividade econômica (as projeções do PIB para este ano apontam para estabilidade, enquanto em 2021 a alta deve ser superior a 4%).
“Nossa expectativa é de que os preços continuem elevados por um tempo, o que deve manter a arrecadação forte no início do ano. Assim que começarem a cair, teremos algum retorno à normalidade”, afirmou Sbardelotto.
“A atividade econômica deve crescer muito pouco neste ano, isso se crescer, então é algo que também puxa a arrecadação para baixo”, completou.
Em condições normais, observa o diretor executivo da IFI, Felipe Salto, a arrecadação tende a crescer com o Produto Interno Bruto (PIB). Como houve no ano passado um movimento de recuperação após a recessão de 2020, esse crescimento acabou sendo mais do que proporcional por questões estatísticas. E isso turbinou a arrecadação.
Risco de nova PEC
Sbardelotto cita a ameaça da PEC dos combustíveis em estudo pelo governo às vésperas das eleições para reduzir os tributos cobrados sobre gasolina, diesel, gás e energia elétrica.
“Ela traz uma perda muito significativa para a arrecadação, em torno de R$ 70 bilhões, e não oferece ganho à sociedade na redução de preços. É um custo muito alto para um ganho muito pequeno. E ainda existe o risco de ser estendido por mais dois anos, o que afetaria de forma significativa a tendência da dívida”, concluiu.
Como mostrou o Estadão, o rombo gerado pela PEC pode ser maior se somado o impacto na arrecadação dos Estados, chegando a R$ 240 bilhões.
Mesmo com a arrecadação menor, o governo deve cumprir o limite de rombo para este ano, avalia o economista da XP. A previsão oficial é de que o déficit seja de R$ 79,4 bilhões, abaixo da meta de R$ 170,5 bilhões.
Para o economista da Pezco Helcio Takeda, a desaceleração da inflação e a perda de fôlego da atividade limitam o espaço para uma melhora da arrecadação, embora ainda haja espaço para algum aumento nominal.
“Do ponto de vista real (descontada a inflação), com a base maior de 2021, é provável que vejamos meses com variação negativa”, afirmou.
Para o economista, o crescimento da atividade econômica e a inflação elevada também sustentaram o resultado de dezembro (R$ 193,9 bilhões, também recorde para o último mês do ano).
Após a divulgação dos dados, Takeda revisou a sua projeção de resultado para as contas do governo no mês passado, de rombo de R$ 3,5 bilhões para superávit de R$ 5,5 bilhões.