Entre os casos analisados pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) entre 2017 e 2019, 7% foram decididos por meio do voto de qualidade — 71% destes foram a favor da Receita, e 29%, pró-contribuinte. É o que mostra relatório publicado pelo órgão na terça-feira (11/6).
O voto de qualidade é motivo de críticas entre advogados e até de conselheiros que atuam no Carf. Como os presidentes das turmas são representantes da Fazenda, na maioria dos casos que terminam empatados, o voto de minerva acaba sendo desfavorável ao contribuinte.
O formato da divulgação dos dados (em “retrato” ou infográfico estático), no entanto, não permite fazer uma avaliação qualitativa do comportamento do Carf, critica o professor e pesquisador da FGV Direito Breno Vasconcelos, do Mannrich e Vasconcelos.
Segundo o advogado, o conselho deveria divulgar também informações a respeito de quais matérias eram objeto dos recursos julgados, percentuais, computação de decisões em repetitivos, critério adotado para definir o que é favorável ou desfavorável e como foram computados os julgamentos parciais.
"Mantemos a crítica que fizemos também ao relatório referente a 2016, qual seja, a ausência de informação quanto aos valores dos créditos tributários correspondentes aos casos decididos por votos de qualidade. Isso porque há uma percepção de que os votos de qualidade são mais frequentes em casos de maiores valores. Como não temos os dados, não podemos confirmar ou infirmar empiricamente essa percepção", explica.
De acordo com os dados abertos divulgados pelo Carf em abril, 95 dos processos pendentes de julgamento correspondiam a R$ 260 bilhões do crédito tributário em discussão, enquanto outros 116.708 processos representavam R$ 82 bilhões.
"Veja que, se os votos de qualidade se concentrarem em apenas 95 processos, estatisticamente poderá parecer pouco, mas, em termos financeiros, representam 42,62% do estoque de R$ 610 bilhões", diz Vasconcelos.
Sistemática questionada
De acordo com o tributarista Allan Fallet, sócio do escritório Amaral Veiga, diversas reformas foram introduzidas no âmbito do processo administrativo fiscal, principalmente no Carf, no sentido de aprimorar a relação entre Estado e contribuinte no âmbito tributário.
"No entanto, tendo em vista que o voto de qualidade vem sendo determinante no julgamento dos temas de maior relevância tributária, essa sistemática vem sendo duramente questionada por parte da doutrina e dos contribuintes que atribuem a forte pressão externa como motivo do aumento na utilização do voto de qualidade, o que ocasionou no encaminhamento dessa discussão para o Poder Judiciário", diz.
Segundo Fallet, apesar de o infográfico divulgado pelo Carf (veja acima) apontar que apenas 5% do total dos casos foram decididos pelo voto de qualidade a favor da Fazenda, "seria interessante entendermos a metodologia utilizada nesse levantamento, na medida em que essa não é a sensação daqueles que participam ativamente dos julgamentos no órgão".
Fim do voto de qualidade
Em maio, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, aprovou o regime de urgência para o Projeto de Lei 6.064/16, que acaba com o voto de qualidade no Carf.
Pela proposta, em caso de empate, prevalecerá a interpretação mais favorável ao contribuinte nas decisões sobre processos fiscais. De autoria do deputado Carlos Bezerra (PMDB-MT), o objetivo da proposta é "buscar uma decisão mais imparcial no julgamento desses processos".
Em 2017, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil pediu ao Supremo Tribunal Federal que declare inconstitucional o voto de qualidade. Segundo a Ordem, o direito ao voto de qualidade dos presidentes de turma do Carf dá ao Fisco dois votos nos julgamentos.
Para a OAB, a previsão fere os princípios constitucionais da isonomia e da proporcionalidade. Em ação direta de inconstitucionalidade, a Ordem afirma que, com o voto de qualidade, o Carf "se utiliza de procedimentos discriminatórios e arbitrários para proferir seu julgamento".