Em meados de abril, o prefeito de São Paulo, João Doria, anunciou ao vivo, por meio de um vídeo em sua página no Facebook, a exoneração de Soninha Francine da Secretaria de Desenvolvimento e Assistência Social. Na tela, ele dizia que a decisão tinha sido “feita em comum acordo”. Mais tarde, no entanto, Soninha declarou que não era bem assim e que, inclusive, ela se sentiu constrangida. O mal-estar ganhou repercussão nas mídias sociais e levantou um ponto ainda sensível nas organizações: as demissões.
A história da ex-secretária soma-se a tantas outras de horror ouvidas por aí e que aumentam em grau e intensidade à medida que o número de desempregados cresce. Há casos de pessoas dispensadas no dia do aniversário, de profissionais que nem puderam retornar à mesa para buscar seus pertences ou de executivos que, depois de devolverem o carro e o celular corporativos, ficaram na calçada desnorteados, sem saber como ir embora. Que a despedida deve ser feita com cuidado não é novidade, mas tornar isso uma prática continua sendo um desafio. Só que agora o preço a pagar subiu.
Se antes o prejuízo por um corte malfeito se restringia aos custosos processos trabalhistas e ao mau humor da equipe remanescente, hoje ele compromete a reputação da corporação. “Um funcionário ressentido torna o ocorrido público nas mídias sociais”, diz José Augusto Minarelli, presidente da Lens & Minarelli, consultoria de recolocação de executivos. Com a exposição da internet, os líderes de recursos humanos precisam instituir políticas e práticas consistentes para as demissões. Veja a seguir cinco dicas de especialistas.
Evite as despedidas
O rompimento do contrato muitas vezes acontece porque a organização aumenta seu quadro sem planejamento. Afinal, é simples — e cômodo — contratar quando a demanda sobe e demitir quando ela cai. “Até 2011, as empresas cresceram rapidamente e de forma desordenada. Sinais disso foram as contratações excessivas e a inflação dos salários na briga por talentos”, afirma Miguel Caldas, autor do livro Demissão (Editora Atlas) e professor de administração na Universidade do Texas. Isso gera problemas que só são percebidos num momento de crise, como agora. Ter um bom planejamento da força de trabalho evita essas situações. E, mesmo que a moderação nos gastos seja necessária, há outras opções além da demissão.
Lineu Takayama, diretor de RH da MAN, fabricante de caminhões do grupo Volkswagen, luta desde 2011 para preservar os 3 500 empregos da fábrica em Resende, no Rio de Janeiro. Nos últimos seis anos, a companhia viu as vendas cair mais de 75%. Até 2014, a política do RH baseava-se em acordos como férias coletivas e corte de horas extras para diminuir os custos. Em 2016, quando os negócios pioraram quase 30% em relação a 2015, a jornada e o salário foram encurtados 20%, parte dos trabalhadores aderiu ao programa de demissão voluntária e outra parte foi colocada em suspensão de contrato. “Esse recurso, além de mostrar respeito aos funcionários, garante mão de obra treinada quando a economia é retomada”, diz Takayama. Neste ano, a MAN limitou 10% da jornada e se prepara para períodos melhores. Apesar do cenário, a MAN não enfrenta uma greve há 15 anos e, na última pesquisa de clima, recebeu nota 94 em relação à satisfação dos funcionários.
Faça cortes cirúrgicos
O líder de recursos humanos deve manter processos estruturados de desligamento antes mesmo de tal medida ser cogitada. Assim, quando essa hora chegar, as etapas desenhadas auxiliarão na tomada de decisão. A missão da área de gestão de pessoas é fazer com que os cortes sejam estratégicos. “O ideal é o RH acompanhar a decisão de perto, ajudando a analisar se vale a pena ou não manter tal profissional”, diz Silvana Barros, especialista de carreira na consultoria de negócios Randstad. Isso legitima ferramentas como a avaliação de desempenho e os feedbacks formais. Foi o que fez no final de 2016 Fernando Marques, diretor da farmacêutica MSD, quando teve de reestruturar a equipe comercial — um grupo que representava mais da metade dos 1 159 funcionários da empresa. Cerca de 101 pessoas foram desligadas em 33 cidades. Para conduzir a ação, Marques conversou primeiro com os gerentes para calibrar a avaliação de cada empregado. Depois, a força de vendas foi redistribuída a fim de continuar atendendo as mesmas localida
des; e as vagas internas foram analisadas para estudar o aproveitamento de alguns profissionais. No fim, 20 empregos foram salvos.
Comunique com respeito
A demissão precisa ser feita pelo próprio chefe em um ambiente protegido — e longe das redes sociais. A conversa deve ser direta, baseada nas razões que levaram à decisão. É comum o demitido reagir e desabafar com o gestor. “Nesse caso, o líder deve ouvir e deixar a pessoa terminar. A pior coisa é tentar se livrar logo da situação desconfortável”, diz Reinaldo Passadori, presidente da consultoria de treinamento que leva seu sobrenome. Há no mercado relatos de profissionais com longos anos de casa e que foram dispensados em minutos, sem nem ser convidados a se sentar.
Para José Ramon Pin, professor na escola de negócios Iese, na Espanha, a ordem da hierarquia diz muito sobre os cortes. “Quando você demite primeiro os funcionários de baixo, isso gera um clima de injustiça.”
No caso da MSD, uma situação delicada era que alguns gerentes também seriam desligados. “Em geral, o líder demite a pessoa e depois ele mesmo é demitido”, diz Marques. Para evitar isso, os chefes foram avisados do que aconteceria e puderam decidir se ficariam até o fim. Quando eles optaram por ir embora, pessoas conhecidas de quem seria cortado assumiram a árdua tarefa. A MSD fez todas as demissões num único dia para encurtar o clima de incerteza. As comunicações foram feitas em lugares fechados, como hotéis, reservados para a ocasião.
Desconecte com cuidado
“Um erro comum é o profissional ser informado da demissão e, enquanto isso, ter seu acesso à intranet cortado”, diz Minarelli. Em alguns casos, o funcionário sai da sala onde acabou de receber a notícia e é acompanhado por um segurança até sua mesa para buscar seus pertences. Alguns não têm essa chance, e uma caixa com suas coisas o espera na saída. Isso gera um clima de revolta e afeta negativamente as pessoas que ficam. O ideal é que o RH ofereça ajuda ao empregado para fazer o backup de arquivos pessoais e configurar o e-mail avisando de seu desligamento.
“Muitas vezes a pessoa sai completamente abalada de uma demissão porque é um corte abrupto”, diz Reinaldo Passadori. Faz toda a diferença tomar mais tempo para demonstrar reconhecimento pelo que o trabalhador fez pela organização. Os programas de outplacement, que garantem consultoria para a recolocação no mercado, e a extensão de benefícios como o plano de saúde ajudam o ex-funcionário a se sentir respeitado. No caso da MSD, o RH tomou ainda outros cuidados: marcou uma data posterior para que os demitidos devolvessem carros e celulares corporativos; preparou um pacote de benefícios com compensação salarial com base no número de anos trabalhados e estendeu o plano de saúde por até dois anos. “A demissão é sempre um momento ruim, mas conseguimos fazer isso de forma a sermos reconhecidos pelos funcionários”, diz Fernando Marques, da MSD.
Cuide dos que ficam
A política de desligamento deve incluir a comunicação aos funcionários remanescentes. “O ideal é o líder conversar ao vivo, logo em seguida aos cortes, e também mandar um breve e-mail informando a demissão”, diz Minarelli.
As prováveis lacunas abertas na equipe precisam igualmente ser analisadas previamente. Como ficará o trabalho do restante do time? Qual a melhor maneira de realocar as responsabilidades e garantir que não haja sobrecarga excessiva? “Muitas organizações não pensam nisso, o que causa repercussões no longo prazo”, afirma José Ramon Pin, do Iese.
A situação piora quando as demissões são frequentes. O clima de incerteza e o esgotamento levam os profissionais a buscar outro emprego, sendo que os mais bem qualificados são os primeiros a abandonar a companhia. No fim, a empresa perde os principais talentos e resta uma mão de obra desmotivada — dificultando ainda mais a retomada.