O desempenho das vendas nos primeiros estados a reabrir o comércio após o início da pandemia no novo coronavírus indica que a retomada da economia será lenta, com consumidores preocupados com o risco de contaminação e de perda do emprego.
Ainda não há estatísticas consolidadas, mas a Folha falou com representantes dos lojistas, dos trabalhadores e especialistas para entender o que as primeiras semanas de lojas abertas em alguns estados dizem sobre o comportamento do consumidor e expectativas para o resto do ano.
Em geral, os volumes de vendas estão abaixo da metade da média registrada antes da pandemia, e o foco ainda são produtos de primeira necessidade. As indústrias mais afetadas pelo fechamento das lojas, como têxtil e eletroeletrônicos, ainda não viram novas encomendas.
“As vendas ainda estão bem aquém do normal”, diz Marcelo Balocchi, presidente da Fecomércio-GO (Federação do Comércio do Estado de Goiás). “Tanto pela situação econômica, insegurança sobre o emprego, quanto pelo receio de contaminação.”
Goiás foi um dos primeiros estados a relaxar as restrições ao comércio, em 20 de abril. A capital, Goiânia, porém, manteve restrições. Balocchi estima que as vendas nos municípios do interior se situem hoje em torno de 50% da média de antes da quarentena.
Situação semelhante vive o Espírito Santo, que relaxou as medidas de restrição no interior na mesma época.
“Tem alguns segmentos que atingiram, no máximo, 60% do que vendiam antes, mas a grande maioria não passa de 40%”, diz o presidente da Fecomércio-ES, José Lino Sepulcri.
Nos dois estados, o crescimento no número de casos após o relaxamento trouxe de volta debates sobre o fechamento das lojas. Em meados de maio, o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM), chegou a estudar um decreto retomando restrições, mas desistiu por falta de apoio.
“Definitivamente, não é o momento para a reabertura do comércio”, escreveu o presidente do Sindicato dos Comerciários do Espírito Santo, Rodrigo Rocha, em uma rede social, em críticas à liberação do funcionamento de shopping centers no estado a partir de segunda (1º).
Mas, mesmo em Florianópolis, onde já não há registro de mortes por Covid-19 há um mês, o comércio ainda amarga vendas baixas, diz o presidente do Sindicato dos Comerciários do município, Lael Marins Nobre. “Não chega a 40% nos melhores momentos.”
Entre abril e maio, sete estados editaram decretos relaxando as restrições ao comércio: além de Goiás e Espírito Santo, houve mudanças também em Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e no Maranhão. No Rio, o governo estadual permitiu o funcionamento de lojas em sistema de delivery.
Em todos os casos, foram estabelecidos protocolos de funcionamento, como uso obrigatório de máscaras e limite de clientes nas lojas. Em alguns deles, os governos estabeleceram rodízios de horários ou de dias para a abertura dos diferentes tipos de estabelecimentos.
O relaxamento das restrições já garantiu a abertura de 232 shoppings em 97 cidades, o equivalente a 40% dos estabelecimentos desse tipo existentes hoje no país. O cenário não é muito diferente das lojas de rua, com vendas em torno de 40% a 45% do normal.
“A gente sempre soube que essa retomada não era para recuperar venda, era para recuperar confiança, para entender a nova dinâmica [de funcionamento do comércio]”, diz o presidente da Abrasce (Associação Brasileira dos Shopping Centers), Glauco Humai.
Dados da CNC (Confederação Nacional do Comércio) mostram, porém, que a confiança do consumidor nunca esteve tão baixa, o que deve ajudar a retardar o processo de retomada da atividade. Em maio, 50,9% das famílias entrevistadas preveem consumir menos nos próximos meses.
Para especialistas e indústria, porém, a virada deve ocorrer apenas com a reabertura em Rio e São Paulo, os dois principais mercados do país. Nesta semana, as lojas começaram a reabrir no interior paulista, mas ainda não há expectativa de retorno na capital.
“[Os estados que já reabriram] são economias frágeis, que já eram antes da pandemia, e não vão ter impacto significativo”, diz Otto Nogami, economista do Insper. Além disso, afirmam representantes de indústrias afetadas, o excesso de estoques no varejo vai retardar a retomada das encomendas.
“As encomendas não estão chegando justamente pela existência de estoques”, diz o presidente-executivo da Abinee (Associação Brasileira da Indústria de Eletroeletrônicos), Humberto Barbato. E, quando começarem a chegar, vão consumir primeiro os estoques existentes nas fábricas.
A produção da indústria elétrica e eletrônica recuou 30,3% em abril. A produção de eletrodomésticos caiu 70,4%.
“A abertura que efetivamente poderá trazer novas encomendas é São Paulo, que representa mais de 40% de nosso mercado”, diz o executivo.
Na indústria têxtil, também muito afetada, já há relatos de fábricas que recomeçaram a faturar ou pensam em retomar a produção. “Isso traz um pouco de esperança, já é uma luzinha no fim do túnel”, diz o presidente da Abit (Associação Brasileira da Indústria Têxtil, Fernando Pimentel.
Ele frisa, porém, que não espera uma “ladeira íngreme”, mas um processo longo de retomada. A expectativa é chegar ao fim do ano com produção a 70% da capacidade. “O mês de junho vai ser importante, porque São Paulo recomeça”, afirma Pimentel.
Embora pequena, há sinais de melhora na arrecadação de alguns estados que já reabriram o comércio. Em Mato Grosso, por exemplo, a última semana de maio foi a primeira, desde o início da pandemia, em que o faturamento tributável do comércio cresceu em relação à média anterior.
Segundo o governo do Estado, a alta, de 3%, é explicada por compras sazonais do setor agropecuário, mas as semanas anteriores já haviam mostrado quedas menores do que nos períodos de lojas fechadas. Em Santa Catarina, a arrecadação em maio foi 11,5 pontos percentuais menor do que a projeção inicial, de 36,3%.