O proprietário de uma casa em um condomínio de Londrina, no noroeste do Paraná, foi impedido de alugar o imóvel pelo Airbnb e outras plataformas digitais porque as locações supostamente desvirtuariam a finalidade residencial do imóvel. Em primeira instância, a 4ª Vara Cível de Londrina definiu que o condomínio não poderia restringir os aluguéis. Só que a 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (TJPR) reverteu a decisão.
O condomínio Santana Residence alega também que este tipo de locação traz fragilidade à segurança, uma vez que é feita sem contato entre locatário e locador. O caso motivou a realização de uma assembleia geral extraordinária, onde foi definida a proibição da locação de casa por temporada no local.
Depois da decisão, o dono do imóvel acionou a Justiça argumentando que a assembleia violou o direito dele de propriedade sobre o imóvel.
Para o juiz Jamil Riechi Filho, a locação pelo Airbnb não estava “desvirtuando a finalidade do imóvel, ou seja, de fins residenciais, para fins comerciais, como escritórios, consultórios e outros”.
Segundo o juiz, o aluguel por meio de aplicativos não configura atividade de hospedagem, já que a locação de uma residência por temporada em um condomínio horizontal, que não foi constituído para essa finalidade, não transforma o domicílio em uma espécie de “apart-hotel” ou “hotel-residência”.
O magistrado citou artigo 48 da Lei de locação, que define o que é locação por temporada: “considera-se locação para temporada aquela destinada à residência temporária do locatário para a prática de lazer, realização de cursos, tratamento de saúde, feitura de obras em seu imóvel, e outros fatos que decorrem tão-somente de determinado tempo, e contratada por prazo não superior a noventa dias, esteja ou não mobiliado o imóvel”.
Com relação à possível insegurança trazida por locação pela internet, o juiz destaca o artigo 15 da Lei 12.965/2014, conhecida como Marco Civil da Internet. O artigo diz que as empresas que atuam na internet precisam guardar os registros de acesso dos usuários pelo período de seis meses.
Além disso, o próprio condomínio possui técnicas e equipamento de segurança, como identificação de moradores e usuários, inclusive a exigência de documento para sua entrada e fotografia dos visitantes.”Todos esses atos contribuem para o aumento da segurança dos condôminos, sem a necessidade de impedir que os condôminos, proprietários das unidades, aluguem suas respectivas casas”, decidiu.
Segundo o magistrado, as provas produzidas nos autos não revelaram que a segurança e saúde dos condôminos estariam em risco pela prática de locação por meio do Airbnb. “O risco que se possa verificar pela locação temporada aos condomínios são iguais dos que poderiam decorrer em razão de contrato de locação anual, ou até por proprietários do condomínio que lá residem ou vierem a residir”, entendeu o magistrado.
Diante desse quadro, ele determinou a anulação da assembleia que tinha proibido a locação no condomínio por curta temporada. Também foi definido o pagamento pelo condomínio de R$ 2 mil referentes aos gastos processuais.
Reversão em segunda instância
O condomínio recorreu com uma apelação cível na qual afirma que o aluguel por Airbnb “trata claramente de hospedagem remunerada, em caráter de hotelaria”, o que desnatura a destinação do imóvel.
Segundo a relatora, desembargadora Vilma Régia Ramos de Rezende, o caso se resume a uma questão: “o direito de livre disposição de um imóvel em
condomínio prevalece diante da vontade do conjunto dos condôminos, que entenderam pela vedação ao aluguel das unidades privadas por temporadas inferiores a um determinado período”?
A resposta para ela e para os desembargadores da 9ª Câmara Cível do Paraná é negativa. A desembargadora diz no acórdão que o Airbnb se apresenta na internet como um facilitador de meios de hospedagem. “Ora, a natureza de hospedagem não é compatível com a finalidade residencial do Condomínio, expressa pela vontade quase unânime dos condôminos”, diz.
Ao adquirir os imóveis, argumenta a magistrada, os proprietários esperavam a tranquilidade, o sossego e a proteção de um conjunto de moradias de caráter permanente, e não de um hotel ou resort. “Soubessem da possibilidade de outro condômino vir a explorar comercialmente o imóvel dele nas condições que ora se discute, talvez não o tivessem feito”, escreve na decisão.
Para a magistrada, a locação pela plataforma fere dois artigos do Código Civil. Um deles, o 1.228, que diz que “o direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais’.
O processo tramita no Tribunal de Justiça do Paraná com o número 75000-50.2017.8.16.0014.
Em nota, o Airbnb diz que já há uma regulamentação para o aluguel por temporada. “O aluguel por temporada no Brasil é expressamente autorizado pela Lei do Inquilinato (Lei nº 8.245/1991). Portanto, já regulamentado, independentemente de a transação ser feita diretamente pelos proprietários, por imobiliárias ou via plataformas. Essa modalidade não configura atividade comercial hoteleira, que é regulamentada pela Lei Geral do Turismo (art. 23) e envolve essencialmente a prestação de serviços e outras atividades. A existência de eventuais condutas não estimuladas pelo Airbnb, que são exceção, pode ser coibida por mecanismos próprios, especialmente no caso de condomínios. Proibir ou restringir a locação por temporada de maneira geral viola o direito de propriedade de quem aluga seu imóvel regularmente”, afirma a plataforma de locação.
Discussão no STJ
A 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça discute uma ação que pode se tornar um precedente importante para o setor. Uma mãe e um filho, moradores de Porto Alegre, apresentaram recurso depois de serem impedidos de alugar as dependências de seus imóveis sob a alegação de que se tratava de atividade comercial em contraposição aos fins residenciais do local.
O relator do caso, Luis Felipe Salomão já apresentou seu voto e concordou com a tese apresentada pela defesa dos réus de que o contrato de locação temporária estabelecido por meio de aplicativos não configura atividade comercial e que a proibição imposta pelo condomínio fere o direito de propriedade dos donos do imóvel.
Não existe previsão de quando a 4ª Turma do STJ vai voltar a discutir o caso.