O inciso LV do artigo 5º da Constituição garante a ampla defesa e o contraditório nos litígios administrativos e judiciais. Por isso, é ilegal e abusivo o ato de convocação societária que tem como único objetivo excluir sumariamente um dos sócios sem que este tenha prévio conhecimento das acusações para poder se defender.
A conclusão é da 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, ao reformar sentença que julgou improcedente ação anulatória, cumulada com indenizatória, ajuizada por sócia defenestrada ilegalmente do quadro societário de uma clínica de fisioterapia.
Além de anular a reunião da assembleia de sócios que a expulsou "por justa causa", reintegrando-a à sociedade, o colegiado condenou as três sócias rés a indenizá-la em R$ 15 mil por danos morais como também pagar todo o pró-labore desde a saída dela da sociedade, em abril de 2015, a título de danos materiais.
Para os desembargadores, além da falta de motivos para amparar o edital de assembleia, as sócias demandadas não concederam prazo para que a retirante apresentasse defesa escrita das várias acusações que justificariam, em tese, a sua expulsão. A atitude das sócias, segundo registrou o acórdão, "feriram de morte a higidez da reunião e cobriram de nulidade aquilo que já se evidenciava, desde o início, como uma fraude e um mero artifício para lesar e excluir a autora, sem qualquer direito societário".
Exclusão justificada, diz a sentença
Segundo os autos, as três sócias acusaram a autora – todas com participação de 25% das cotas na sociedade empresarial – de atuar de forma negligente na sua atividade profissional, colocando em risco a recuperação dos pacientes e a operação da empresa. Para resolver de vez a situação, em 26 de março de 2015, as rés convocaram uma reunião de assembleia para o dia 6 de abril, que deliberou pela exclusão por justa da causa da autora. Sentindo-se injustiçada, a autora foi à Justiça para invalidar o ato e pleitear reparação.
No primeiro grau, a ação não teve acolhida na Vara de Direito Empresarial, Recuperação de Empresas e Falências de Porto Alegre. Para a juíza Giovana Farenzena, o ato administrativo da assembleia foi "perfeito na matéria e na forma", pois observado o disposto no artigo 1.085 do Código Civil, que prevê exclusão de sócios que põem em risco em risco a continuidade da empresa, em virtude de atos de inegável gravidade. Ou seja, não houve nada de irregular na assembleia, já que a solenidade foi convocada justamente decidir a expulsão da autora por justa causa, como deixa claro o telegrama datado de 26 de março de 2015.
A julgadora disse que o prazo de 10 dias oferecido à defesa da autora foi "absolutamente suficiente" e perfeitamente legal. "Em relação aos motivos que culminaram na exclusão da requerente da sociedade, as provas produzidas no curso da instrução são suficientes à comprovação de que a autora vinha obrando contra a sociedade e em prejuízo da mesma, mostrando-se desinteressada pelo exercício regular das suas funções. Os documentos juntados à contestação demonstram essas situações de forma clara, sendo mais cristalina ainda a prova oral produzida no curso da instrução", arrematou na sentença.
Ato nulo, rebate o TJ-RS
O relator da apelação no TJ-RS, desembargador Niwton Carpes da Silva, chegou à conclusão diferente, entendendo que o ato da assembleia se revelou ilegal e, portanto, nulo, por violar o princípio constitucional da ampla defesa. Para Carpes, os motivos da reunião deveriam constar no edital, de modo a viabilizar a mais ampla defesa da sócia. "Todavia, esses motivos não fizeram parte do Edital de Convocação, mas foram descortinados apenas no dia e hora da reunião de exclusão da sócia, como que numa jogada ensaiada e adredemente planejada, pois pegou a autora e seu advogado de surpresa, catatônicos e imobilizados, porquanto, destarte, não sabiam do que teriam que se defender", complementou.
Na percepção do julgador, também não havia motivo para a exclusão sumária da autora, já que ela havia manifestado intenção de deixar a sociedade, ao mesmo tempo em que se desenrolavam tratativas para a transferência (proposta e condições) das quotas. "Muito significativa a convocação de exclusão da sócia, que já diz tudo, enrolaram ela até o último momento com insinuação de interesse na aquisição das quotas sociais e, depois, convocam reunião para expulsá-la, quando, então, não pagam nada. Esse, evidente, o traçado dos fatos. Com o máximo respeito, mas percebo, modo inexorável, já de início, armação e fraude na expulsão da autora da sociedade", escreveu no acórdão.