A adesão dos varejistas ao sistema de pagamentos instantâneos, o Pix, lançado há pouco mais de dois meses, caminha a passos lentos.
Dados do Banco Central de transações com a nova ferramenta mostram que, desde a estreia, apenas 5,2% das operações dentro da nova ferramenta foram feitas de pessoas a empresas.
O consumidor ainda não consegue encontrar facilmente estabelecimentos que recebam com Pix. Especialistas e executivos do setor atribuem a baixa adesão do comércio às tarifas praticadas pelas instituições financeiras, à pouca demanda por parte do consumidor e à adaptação de sistemas.
Eles avaliam, no entanto, que a implementação no varejo é uma questão de tempo –e que deverá ocorrer ainda neste ano.
Em outra frente, o Pix teve grande aceitação na substituição ao DOC e à TED, para transferência de recursos entre contas –73% das transações foram realizadas entre pessoas físicas. Os outros 21,8% foram operações entre empresas ou para o governo.
"O dinheiro que sai da sua conta e vai para o lojista percorre um labirinto, é uma sistemática complexa. Muitos comerciantes ainda não tiveram tempo de se adaptar e os adquirentes, além de outras empresas que prestam serviços aos varejistas, ainda não implementaram o Pix", diz Carlos Netto, presidente da Matera, empresa de tecnologia para o mercado financeiro.
Para ele, existem alguns entraves para a adoção do Pix especialmente pelo ecommerce.
"Metade das vendas online é feita por mobile. Quando é gerado o QR Code, o consumidor não consegue escanear pela câmera do celular pelo qual foi gerada a imagem, o que dificulta a venda", diz.
Na tentativa de solucionar o problema das compras pelo celular, o BC chegou a colocar em pauta, antes do lançamento do sistema, um recurso pelo qual a loja poderia gerar um link clicável que levava o cliente diretamente ao aplicativo do banco para validação da compra, chamado de Pix Link.
Antes do lançamento, a autoridade monetária descartou a ferramenta e afirmou que não há previsão para que a funcionalidade seja disponibilizada.
"O BC entende que a iniciação por QR Code, incluindo a facilidade de copiá-lo e colá-lo, é a mais adequada e segura para as transações de ecommerce", disse em nota.
Em documentos do grupo de trabalho sobre segurança no Pix, publicados no site da autarquia, a justificativa para a retirada do recurso foi que poderiam ocorrer fraudes com a criação de links falsos, que enviariam o dinheiro a contas de golpistas.
Para Luan Gabellini, sócio da Betalabs, empresa especializada em soluções para ecommerce, as tarifas cobradas para recebimentos com Pix são menos vantajosas do que as praticadas para boletos.
"O Pix concorre com o boleto, que é o pagamento à vista. Atualmente, os bancos e adquirentes cobram percentuais em cima da transação. Com o boleto, é um valor único, o que acaba sendo mais atrativo", diz.
Para Gabellini, com o tempo o comércio vai aderir ao novo meio de pagamento.
"As instituições e adquirentes vão acabar negociando condições melhores. Além disso, há uma adaptação de sistemas. Como a demanda do consumidor ainda é baixa, a implementação não é prioridade", afirma.
O diretor de meios de pagamentos da ABComm (Associação Brasileira de Comércio Eletrônico), Franz Schoenborn, discorda e afirma que as grandes do ecommerce já estão se movimentando para aderir à nova modalidade.
"O que falta agora é a integração dos sistemas, que são muito complexos e exigem cuidado", diz.
"Não há resistência por parte do setor para a adoção do Pix. Acho que é uma adaptação natural, que deverá ser concluída ainda no primeiro semestre deste ano", afirma Schoenborn.
Ao todo, entre 16 de novembro —quando a ferramenta começou a funcionar— e o fim de dezembro, foram feitas 177,8 milhões de transações no novo sistema, o equivalente a R$ 151 bilhões. De acordo com o BC, 734 instituições financeiras oferecem o serviço.
O cadastramento das chaves também indica participação pequena de empresas no sistema. Enquanto 219,1 milhões de registros são de pessoas físicas, as empresas cadastraram apenas 10 milhões de chaves.
Uma pessoa pode fazer até cinco chaves por conta-corrente e uma empresa, até 20.
Na prática, quem fizer o cadastramento das chaves não vai precisar informar todos os seus dados na hora de transferir dinheiro ou pagar conta pelo Pix. A pessoa precisará apenas falar a chave cadastrada (CPF, email ou número de celular, por exemplo).
Cláudio Guimarães Júnior, diretor-executivo da ABBC (Associação Brasileira de Bancos), diz que a baixa adesão do comércio é também uma questão cultural.
Ele diz que 80% das transferências entre contas de pessoas físicas já migraram de DOC e TED para o Pix.
"Foi um sucesso grande. As vendas no varejo cresceram, mas não nessa mesma intensidade. É uma questão muito cultural, aos poucos a novidade vai se propagando", diz.
Para o professor de finanças da FGV (Fundação Getulio Vargas) Rafael Schiozer, algumas redes varejistas decidiram não antecipar a adaptação dos sistemas para ver se o Pix seria bem aceito pela sociedade.
"É uma implementação que exige investimento de recursos. Atualmente, os sistemas das lojas ainda não conversam com o novo meio de pagamento", afirma.
O Banco Central afirmou, em nota, que a adoção do Pix no varejo está ocorrendo de forma gradual, "como esperado", e está crescendo a cada dia. A autoridade monetária também atribuiu a demora na implementação à adaptação de sistemas.
"Boa parte do varejo conta com sistemas de vendas os quais precisam ser integrados ao Pix para a geração dos QR Codes e a conciliação dos pagamentos, o que requer um tempo de integração e ajustes nas soluções e softwares", afirma.
O BC diz ainda que os comerciantes estão negociando as melhores condições com as instituições financeiras.
"Como o nível de competição na oferta do Pix ao varejo é bastante grande, é natural que as instituições estejam sentindo o mercado para se posicionar e, do outro lado, os comerciantes estejam pesquisando entre as diversas instituições as condições oferecidas antes de passar a aceitar o Pix como meio de pagamento", afirma.
"Há também o desafio, para uma penetração mais massiva do Pix no varejo, da mudança de hábitos e da conscientização dos varejistas sobre os benefícios do Pix", diz.
Segundo a autarquia, "há um potencial enorme do Pix no ecommerce, uma vez que é um meio de pagamento instantâneo, que potencializa a automação, traz maior segurança e pode otimizar a logística de entrega dos produtos. Há que se esperar o tempo natural para que as integrações dos sistemas e das lojas virtuais aconteçam."