O agravamento da pandemia já se reflete em dados preliminares sobre o desempenho dos setores de comércio e serviços no mês de março e reforça a expectativa de uma piora na economia no primeiro trimestre do ano.
Entre os indicadores que mostram essa tendência está o índice de vendas no varejo da Getnet, que registra queda de 5,6% na comparação mensal e de 17,8% em relação o mesmo período de 2020, segundo dados da primeira quinzena do mês corrente. É o maior recuo anual desde os 22,5% registrados em abril do ano passado.
Se for considerado o conceito de varejo ampliado, que inclui vendas de material de construção e de veículos, as quedas são menores, de 3,4% e 8,9%, respectivamente. Ainda assim, significativas, segundo o economista do Santander Lucas Maynard, um dos responsáveis pela elaboração do índice com vendas presenciais, no delivery e no comércio eletrônico.
Desde o último trimestre de 2020, esses setores vêm perdendo fôlego, por fatores como a retirada de estímulos econômicos, como o auxílio emergencial, e o recrudescimento da pandemia, que em março resultou em restrições às atividades e colapso do sistema de saúde em vários estados.
“A gente tem uma prévia de serviços que aponta na mesma direção do varejo. Essa quinzena já foi contaminada pela primeira semana de 'lockdown' em São Paulo”, afirma o economista do Santander.
Segundo Maynard, o indicador tem um peso maior das atividades na economia paulista do que os dados para varejo divulgados pelo IBGE, por isso, ele espera uma queda menor no nível nacional, que não chegaria aos piores patamares de 2020. Ainda assim o dado deve mostrar recuo significativo e seguir a tendência de piora que vem sendo verificada desde a redução do valor do auxílio emergencial, no último trimestre de 2020.
“Pode se discutir a magnitude da queda, mas vai ser forte, a pior desde março e abril. Não vai ser tão grave, mas vai ser grave. O cenário é bem ruim”, afirma o economista, que prevê contração da economia brasileira no trimestre que se encerra nos próximos dias.
Outro indicador que mostra perspectivas negativas para o setor é o Índice de Confiança do Comércio da Fundação Getulio Vargas, que caiu de 91 para 72,5 pontos em março, menor valor desde maio de 2020, quando estava em 67,4 pontos.
No ano passado, o indicador chegou ao ponto mais baixo em abril (61,2 pontos) e se recuperou até alcançar 99,6 pontos em setembro, praticamente retornando ao nível pré-crise. Aquele foi o último mês com o auxílio emergencial no valor de R$ 600. Depois, a confiança iniciou uma trajetória de queda.
Segundo a FGV, considerando as médias móveis trimestrais, o indicador recuou agora pelo quinto mês seguido.
Também houve queda nos indicadores de confiança de empresários e consumidores da FGV. A percepção dos consumidores atingiu o pior nível da série histórica, iniciada em 2005.
“Ao completar um ano dos primeiros impactos da pandemia na confiança do setor, o índice volta a despencar em março de 2021. O resultado fortemente negativo do mês foi influenciado tanto pela queda no volume corrente de vendas, quanto pela piora das expectativas em relação aos próximos meses”, afirma Rodolpho Tobler, Coordenador da Sondagem do Comércio do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas).
“O recrudescimento recente da pandemia de Covid-19, associado à lentidão programa de imunização e à adoção de medidas de restrição à circulação, ajudam a explicar o cenário negativo na visão do setor. Os próximos meses serão desafiadores, e o retorno a uma rota de recuperação dependerá da melhora efetiva dos números da pandemia.”
O índice de confiança da construção, calculado pelo Ibre-FGV, também registrou queda pelo terceiro mês consecutivo em março e está em 88,8 pontos, retornando ao nível de agosto do ano passado.
Segundo o indicador, os empresários do setor reduziram suas expectativas quanto à situação nos próximos meses e também com o presente.
Ana Maria Castelo, coordenadora de projetos de construção do Ibre-FGV, diz que a sondagem de março mostra uma piora disseminada entre os diversos segmentos. Para ela, os empresários percebem uma “situação mais desfavorável que a do último trimestre de 2020, indicando uma deterioração do processo de recuperação”.
A elevação dos preços de materiais vinha ganhando relevância na pesquisa da FGV desde setembro do ano passado. Os empresários do setor apontam o custo das matérias-primas como um dos principais “fatores limitativos” para o segmento.
Em março, porém, esse motivo foi apontado quase na mesma proporção que a categoria “outros”, 27,7% para este último, e 27,1% para custo de materiais. Na categoria “outros”, 78,7% referem-se ao coronavírus.
O recrudescimento da pandemia também se reflete em outros setores e indicadores gerais de atividade.
O índice de confiança da CNI (Confederação Nacional da Indústria), divulgado nesta quinta-feira (25) também mostrou queda nos 30 setores da indústria pesquisados entre fevereiro e março. Na comparação anual, apenas o segmento de Metalurgia está mais confiante do que em março de 2020.
O presidente da CNI, Robson Braga de Andrade, diz que a queda da confiança, neste momento, ocorreu em função do recrudescimento da pandemia. Além disso, a falta e o alto custo de parte dos insumos e das matérias-primas também têm pressionado os empresários.
“À medida em que a vacinação for avançando, as incertezas econômicas, políticas e sociais relacionadas à pandemia vão se dissipar. Uma vez afastado o risco da doença, as pessoas e as empresas se sentirão mais seguras para retomar plenamente suas atividades”, afirmou.
O Indicador de Atividade da Genial Investimentos, elaborado pela equipe do economista José Márcio Camargo e que também capta os efeitos da restrição de mobilidade, recuou de 84,4 pontos (cerca de 15% abaixo do nível pré-crise) em 23 de fevereiro para 73,7 pontos (mais de 25% abaixo do pré-pandemia) na última quarta-feira (24).
O Idat (Indicador Diário de Atividade) do Itaú Unibanco tem apresentado uma situação praticamente de estabilidade desde outubro do ano passado, com queda no começo de março, e estava cerca de 15% abaixo do nível verificado antes da crise atual no último dia 20.
Diante da piora no cenário econômico e sanitário, com atraso no cronograma de vacinação, o Ministério da Economia avalia um novo programa de corte de salário e jornada e o aumento de transferências de recursos aos mais pobres, mediante contrapartidas no Orçamento.
A equipe econômica também passou a reconhecer nos bastidores a possibilidade de decretação de um novo estado de calamidade pública, caso a pandemia do coronavírus siga em situação crítica nos próximos meses.
No Banco Central, a avaliação é que uma possível reversão econômica, devido ao agravamento da pandemia, seria bem menos profunda do que a observada no ano passado e, provavelmente, seria seguida por outra recuperação rápida, na medida em que os efeitos da vacinação sejam sentidos de forma mais abrangente, conforme colocado na justificativa para a elevação da taxa básica de juros pelo Copom (Comitê de Política Monetária) na semana passada.
Pesquisa Datafolha mostrou que dois em cada três brasileiros dizem que a situação econômica do país vai piorar, percentual recorde registrado na série histórica do levantamento.