Pets incentivam investimentos e novos negócios

Fonte: O Globo
09/08/2021
Vendas

Cães, gatos e outros tipos de animais de estimação estão cada vez mais presentes nos lares dos brasileiros, introduzindo novos itens de consumo nos orçamentos que vão muito além de ração. Muitas famílias que passam mais tempo em casa desde o ano passado por causa da pandemia agregaram novos bichinhos de estimação no último ano, o que ajudou a aquecer um mercado bilionário em plena crise.

O potencial de crescimento ainda é grande, e isso atrai agora investimentos de pesos pesados da indústria, como a BRF e a Nestlé. Os negócios vão de mimos e cosméticos para os animais a planos veterinários.

Metade dos domicílios brasileiros tem ao menos um pet. São cerca de 150 milhões de animais — 0,7 para cada brasileiro — no país, que estimulam negócios formais e informais, das grandes redes de varejo aos pequenos pet shops, passando pelos veterinários e passeadores.

A universitária Luiza Carretero, de 24 anos, resolveu adotar, em janeiro, a gata Lila para fazer companhia a ela e a Bento, o cachorro shitzu que a família já tinha. Ela mora com a mãe, na Zona Norte de São Paulo, mas, com aulas e trabalho remotos desde o início da pandemia, passou a ficar sozinha em casa durante o dia.

O cão e a gata se estranharam um pouco no começo, mas já acertaram os ponteiros e a dona não perde uma oportunidade de recompensá-los pela cumplicidade diária.

— Achei que seria o melhor momento para adotar — conta Luiza, que viu seus gastos aumentarem com duas bocas para alimentar (são ao menos R$ 300 por mês de ração), embora não saiba precisar quanto, já que acaba comprando brinquedos e acessórios por impulso ao passar pela pet shop.

— Lila ama a ração úmida, mas dou de vez em quando, pois a seca é bem mais em conta. Só que toda vez que saio de casa acabo comprando alguma coisa para eles. Gosto de mimá-los.

Relação estimula compras

Luiza é a típica consumidora na mira das empresas que investem no mercado pet: quanto mais tempo as pessoas dedicam aos seus bichinhos, mais estão propensas a gastar com eles. Em 2020, o segmento — que inclui alimentação, higiene, serviços e produtos veterinários e toda a sorte de acessórios — cresceu 15,5%.

Neste ano, segundo estimativa da Associação Brasileira da Indústria de Produtos para Animais de Estimação (Abinpet), deve desacelerar para 13,8%, movimentando R$ 46,5 bilhões, mas ainda com taxa de expansão de dois dígitos.

A pandemia funcionou mesmo como um gatilho para muitas famílias que estavam indecisas sobre ter um animal de estimação. É o que mostra a pesquisa Radar Pet 2021, realizada pela Comissão de Animais de Companhia (Comac) do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para a Saúde Animal (Sindan).

Do total de entrevistados em todo o país, 30% dos que tinham pet agregaram um novo membro à família durante a fase de isolamento social. Para 23% foi o primeiro bichinho de estimação da vida.

Com mais entidades e até pet shops promovendo a adoção de filhotes ou animais adultos abandonados ficou ainda mais tentador. Os cães ainda são maioria nos lares, mas a preferência pelos felinos aumentou em 2020, observa Leonardo Brandão, coordenador da Comac:

— O interessante é que a maioria foi adoção, e de gatos. Historicamente, a compra de cachorros é sempre maior. Entre os felinos, 84% foram adotados e, entre os cães, 54% são frutos de adoção. Isso confirma uma tendência de que os gatos futuramente serão os pets predominantes no Brasil — diz Brandão, destacando que a maior parte dos que adotaram na pandemia são pessoas que moram sozinhas.

A adoção incentiva as pessoas a levar para casa cães mestiços, os chamados vira-latas, abandonados, em vez de comprar cães de raça, mas há quem ainda faça questão de pedigree.

No comércio autorizado, os mais populares, segundo a Confederação Brasileira de Cinofilia (CBKC), são as espécies spitz alemão (conhecido como lulu ou anão-da-pomerânia) e buldogue francês, entre outros. Já entre os gatos, os queridinhos são os persas, incluindo o colorpoint e o himalaio.

Investimento em ração

Para Eduardo Yamashita, diretor de Operações da consultoria especializada em consumo Gouvêa Ecosystem, os números refletem uma mudança no comportamento das famílias, que ganhou força na pandemia, cujo potencial de consumo ainda não foi totalmente explorado:

— Com o número de filhos por família caindo nos últimos anos, assim como a renda familiar, e a quantidade cada vez maior de domicílios com uma pessoa só ou com idosos, é natural que os lares tenham mais bichos de estimação e busquem opções de serviços e produtos para eles. Quanto mais próximo o dono é do pet, mais ele gasta.

Ainda que já responda por 70% do mercado pet, a indústria de ração é onde está o maior potencial. Menos de 50% dos bichos de estimação no Brasil consomem esse tipo de alimento industrializado, mas os fabricantes notam maior interesse e disposição dos donos para gastar em alimentos mais saudáveis.

Por isso a indústria de ração tem atraído investimentos altos de gigantes como Nestlé, BRF e Mars.

Carlos Martella, diretor de marketing da marca de rações Royal Canin, conta que, nos últimos três anos, o rótulo da Mars investiu R$ 5 milhões no desenvolvimento de produtos com viés veterinário.

Há alimentos hipoalérgicos e com a adição de elementos que ajudam a diminuir a geração de bolas de pelo, por exemplo. Segundo ele, a procura por esse tipo de ração cresceu muito desde o ano passado:

— Muitas pessoas que não tinham pet compraram ou adotaram um, o que fez aumentar a quantidade de animais em casa. Mas outro fenômeno que vemos é que os tutores que já tinham um passaram a investir em melhores produtos ao passar mais tempo com eles em casa.

Via para exportação

Além do mercado interno crescendo, grandes companhias também apostam no setor, de olho nas vantagens relativas do país para exportar, como o acesso às principais matérias-primas agrícolas para a fabricação de rações, como carnes, trigo e milho. A alta recente das commodities levou a reajustes dos produtos finais, mas o consumo segue em alta.

— Ainda assim, o pet food (alimentação) tem um aumento previsto de 7,5% na produção em 2021, chegando a 3,41 milhões de toneladas. O segmento de pet care (produtos de higiene) deve crescer em torno de 10% e o pet vet (atendimento veterinário), 12% — diz José Edson Galvão de França, o presidente-executivo da Abinpet.

O aposentado Jorge Bezerra dos Santos adotou uma cachorrinha já adulta, a Yanka, durante a pandemia, para trazer um pouco mais de vida à casa onde mora com a mulher, Regina da Costa, na Zona Sul de São Paulo.

Como estão a maior parte do tempo em casa, brincar com Yanka é uma diversão. Além dos gastos com ração e veterinário, Santos compra brinquedos para animar a interação com ela.

— Eu e minha mulher nos aposentamos em dezembro de 2019 e tínhamos projetado viagens, mas aí veio a pandemia. Ficamos muito reclusos, começamos a sentir falta de algo. Yanka é muito brincalhona, ocupa o tempo — diz o aposentado.

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