Pequenos negócios têm dificuldades para obter crédito

Fonte: O Globo
01/06/2020
Crédito

O empresário Cesar Sued tem quatro negócios na área de gastronomia na Zona Sul do Rio e estava prestes a abrir outro, no ramo da beleza. Com a pandemia, desde março duas unidades estão fechadas e duas operam apenas no delivery.

Dos seus 26 funcionários, apenas dois estão na ativa e os outros estão com contratos suspensos. Ele já tentou três vezes pedir empréstimo em bancos privados em que é correntista recorrendo a linhas de crédito anunciadas pelo governo, e não conseguiu.

— Em um apenas recusaram. No outro, disseram que a linha não seria aprovada a menos que houvesse garantias concretas, como imóvel ou dinheiro aplicado. Na sexta-feira passada fui à Caixa, mas pediram para retornar nesta semana — conta ele.

A morosidade nos processos, as lacunas nas garantias e a falta de informações têm sido entraves para que os empréstimos anunciados pelo governo federal cheguem de fato até os micro e pequenos negócios.

— Um exemplo é o Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe), que só foi sancionado no dia 19 de maio e ainda falta o governo regulamentar e liberar o recurso necessário ao programa, o que deve acontecer só no fim do mês. As linhas existem no papel. Entretanto, não chegam a quem realmente precisa, o que faz com que as contas das empresas se compliquem — analisa o diretor executivo da consultoria contábil Confirp, Richard Domingos.

Outro programa nessa situação é o Proger Urbano Capital de Giro, que oferta linhas de crédito com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Voltada para negócios com faturamento bruto anual de até R$ 10 milhões, financia salários e encargos, aluguel, despesas regulares. Os recursos serão operados por bancos públicos federais, porém, a linha só estará operante nas próxima semanas.

De áreas diferentes, as empresárias Bárbara Moraes e Marina Morena de Menezes também estão com dificuldades de crédito na praça.

— Em março e abril, eu tive dificuldade em vender e pedi empréstimo no meu banco privado, mas eles negaram. Não explicaram o porquê exatamente. Com isso, as contas atrasaram e fiquei negativada. Alguns fornecedores aceitaram negociar prazos e outros, em cinco dias, foram para cartório — diz Bárbara, dona da Bibelu, loja de moda infantil na Barra da Tijuca, há três anos.

Segundo ela, a loja aguenta apenas mais um mês aberta e o que mantém a empresa funcionando é a venda on-line, que já era expressiva em seu faturamento antes da pandemia. Bárbara pensou em tentar a linha de crédito da Caixa com Sebrae, com garantias complementares do Fundo de Aval às Micro e Pequenas Empresas (Fampe), mas para esta linha não pode ter nome sujo.

Já Marina é sócia da Rio Tap Beer House, no Flamengo, e tentou pegar empréstimo para pagar os salários dos funcionários, sem sucesso. O caixa que ainda tinha serviu para segurar três meses sem funcionamento e pagar férias remuneradas e fornecedores.

— O pequeno, por questões de garantias, tem menos credibilidade para o pagamento desses recursos. Estou com aluguel e IPTU atrasados. Se não conseguir um empréstimo, vou ter que fechar. Não tenho caixa nem para mandar embora — conta a empresária que já tentou por duas vezes nos bancos o BNDES Crédito Pequenas Empresas, que atende a negócios com faturamento até R$ 300 milhões e pode financiar até 100% da operação.

Há ainda a linha emergencial de crédito para folha de pagamentos, criada para garantir o pagamento de salário e com a contrapartida de não demitir os empregados sem justa causa, no período compreendido entre a data da contratação do empréstimo e até 60 dias após o recebimento da última parcela da linha de crédito. Os empresários são reticentes a esta linha, pois afirmam que estão tentando manter as equipes mas argumentam que é impossível dar garantias como essa.

— Nossa maior questão é que não sabemos como será o retorno. Estão pedindo garantias que não conseguimos dar agora. Estamos trabalhando na perspectiva, sem certezas — explica Marina.

Carência e imóveis

Para Mauricio Costa, gerente executivo da FGV Projetos, que tem realizado pesquisas sobre a situação dos pequenos negócios no país, o principal entrave para que os programas não cheguem ao empresário é a falta de garantia integral aos bancos e agentes financeiros.

— O governo não dá garantias, nem o empresário. Antes da pandemia, o pequeno dava como garantia o mês seguinte de trabalho. Agora, não tem mais. Os bancos só emprestam prata para quem tem ouro — avalia.

Para ele, a solução é aumentar o prazo de carência para dar fôlego ao pequeno e o governo pôr os imóveis parados da União como garantia de pagamento. Além disso, ele acredita que o Pronampe, assim que começar a valer, vai ajudar a destravar o crédito, que será liberado também pela queda nas taxas de juros.

— No início, eram em torno de 30% ao ano. Agora, com esses ajustes, vamos ter taxas entre 5% a 8% ao ano. É alta para quem está em uma pandemia, mas é viável — avalia.

O gerente da unidade de serviços financeiros do Sebrae Nacional, Márcio Montella, também reforça que a carência pode ser a saída para desenrolar esse imbróglio. 

— Não pode-se considerar só a garantia no empréstimo. A conjunção de garantia, renda, taxa e prazo é que viabiliza o empréstimo e o Pronampe vem ao encontro disso. A taxa é exequível e o prazo de carência ainda está sendo definido.

Ele também pondera que avaliar a capacidade de gestão de quem pede o empréstimo é fundamental:

— Alguns que fecharam já estavam em situação ruim antes.

Linhas de crédito para micro e pequenos empresários

Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe)
- O valor liberado corresponderá a até 30% da receita bruta anual da empresa calculada com base no exercício de 2019
- A taxa de juros anual máxima será igual à taxa do Selic, acrescida de 1,25% sobre o valor concedido, com prazo de 36 meses para o pagamento
- Foi sancionada na semana passada mas ainda não foi regulamentada. Informações como prazo de carência, por exemplo, ainda serão definidas

Linha emergencial de crédito para folha de pagamentos
- Foi criada para ajudar no pagamento de salário e, em contrapartida, uma das exigências é que não se demita empregados, sem justa causa, entre a data da contratação do empréstimo e até 60 dias após o recebimento da última parcela da linha de crédito
- O financiamento poderá ser pago em 36 meses, com carência de 6 meses e com juros de 3,75% ao ano
- Podem aderir ao programa empresários que tiverem receita bruta anual superior a R$ 360 mil e igual ou inferior a R$ 10 milhões

Linha de crédito da Caixa e Sebrae com Fampe
- É um empréstimo para quem não tem garantias, mas chances do negócios sobreviver
- A Caixa Econômica Federal disponibilizará até R$ 7,5 bilhões em crédito para capital de giro a micro e pequenas empresas e microempreendedores individuais (MEIs)
- A operação é viabilizada por meio do aporte de R$ 500 milhões do Sebrae, que vai acompanhar as empresas da liberação até a liquidação da dívida. As garantias complementares serão concedidas pelo Sebrae por meio do Fundo de Aval às Micro e Pequenas Empresas (Fampe)

BNDES Crédito Pequenas Empresas
- O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDES) divulgou a expansão da linha BNDES Crédito Pequenas Empresas
- Empresas com faturamento até R$ 300 milhões podem obter crédito livre, sem destinação específica, de até R$ 70 milhões por ano
- Os recursos do BNDES podem financiar até 100% da operação, a critério do agente financeiro credenciado, e as operações contratadas podem ter prazo total de até 5 anos, incluindo um prazo de carência de até 2 anos. O programa já rodou 2,4 bilhões

Proger Urbano Capital de Giro
- Oferta de linhas de crédito com recursos do FAT no investimento de longo prazo a pequenos negócios, cooperativas e associações de produção com faturamento bruto anual de até R$ 10 milhões
- São itens financiáveis salários e encargos, aluguel, água, luz, telefone, matéria-prima, mercadorias para revenda dentre outros
- O prazo de financiamento é de até 48 meses, incluídos até 12 meses de carência. Os recursos serão operados por bancos públicos federais. A linha estará operante nas próxima semanas.

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