O endividamento e a dificuldade para honrar dívidas não estão restritos às famílias. Afetam de forma parecida os pequenos negócios, que tiveram inadimplência de 3,11% em agosto deste ano, o maior nível desde junho de 2020. Há um ano, era cerca de 2%.
A modalidade de crédito mais cara para as empresas, o cheque especial, é cada vez mais usada. Atingiu R$ 21,8 bilhões em outubro, o maior volume desde julho de 2015 e alta de 10,43% em relação a outubro de 2019.
O cenário é difícil para quem contraiu empréstimo do Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe), criado para amenizar o impacto da pandemia nos negócios. Os juros são atrelados à Selic, que eram de 2% e agora estão em 7,75%. E devem subir mais em 2022. Há ainda a taxa fixa de 6% ao ano.
— Os empréstimos do Pronampe vão ficar bem mais caros no ano que vem do que foram até agora, e isso pode, por um lado, desincentivar a tomada de crédito no programa se as expectativas de aumento da Selic se confirmarem — avalia o analista Giovanni Bevilaqua, da área de Capitalização e Serviços Financeiros do Sebrae.
A pedagoga Vivian Bittencourt, dona da Estude Mais, empresa de reforço escolar em Lauro de Freitas, na região metropolitana de Salvador, vive problemas com o programa. Na pandemia, ela viu o número de alunos minguar e precisou de crédito para contas e fluxo de caixa. Conseguiu um empréstimo de R$ 34 mil via Pronampe em setembro de 2020.
Boa parte do dinheiro foi usada para pagar impostos e serviços de contabilidade atrasados. O restante foi para despesas pessoais. Com os funcionários, fez acordos de suspensão de jornada e salário.
Planos frustrados
O arrefecimento da pandemia trouxe algum otimismo, mas não os alunos de volta, devido à crise econômica, com a renda das famílias reduzida. Vencida a carência, Vivian começou a pagar o empréstimo em junho deste ano.
Em outubro, decidiu suspender por cinco meses. Foi necessário, porque ela já está rolando outra dívida bancária, tem dificuldade para pagar impostos e está com o aluguel atrasado.
— Trabalho com reforço escolar desde 2006 e ia bem de forma autônoma, já tinha uma estrutura sólida. Dei o passo de formalizar a empresa em 2018. Meu marido pediu demissão em fevereiro de 2020 para trabalhar comigo, e logo depois aconteceu tudo isso —lamenta.
Agora, o marido de Vivian, que é químico industrial, está trabalhando como motorista de aplicativo. Ela pensa em vender o negócio para quitar as dívidas. Se fizer isso, voltará a trabalhar em escola, com carteira assinada, ou dando aula particular.
O professor da FGV Lauro Gonzales, coordenador do Centro de Estudos de Microfinanças e Inclusão, vê risco de piora para as empresas.
— Há uma série de incertezas que deixa o cenário em 2022 bastante complicado, e isso vai ter uma influência muito forte sobre o mercado de crédito, no conjunto de variáveis de risco — avalia o especialista, citando a incerteza eleitoral, o mercado de trabalho debilitado, a falta de perspectiva para a recuperação da economia e a condução da política fiscal pelo governo.