Os dois últimos dias de 2020 foram marcados por uma verdadeira corrida aos bancos de micro e pequenas empresas, que contrataram R$ 5 bilhões em crédito. O valor corresponde à metade dos R$ 10 bilhões aprovados na terceira fase do Pronampe, programa voltado para o segmento. Os recursos foram liberados aos 45 minutos do segundo tempo em razão de atraso na tramitação do projeto no Congresso.
A lei que autoriza a transferência de recursos só foi sancionada no dia 29 de dezembro. O prazo era apertado porque, como o dinheiro tem origem em um crédito extraordinário, não poderia ser usado em 2021. Com isso, nem toda a dotação do programa chegou às mãos dos empreendedores.
Apesar dos resultados positivos do programa, para muitas empresas, conseguir crédito na pandemia não foi tarefa fácil. Empresários relatam dificuldade para lidar com os bancos repassadores do crédito, liberação bem abaixo do valor pedido e burocracia.
Financiamento difícil
Segundo o Sebrae, no Brasil, 56% dos micro e pequenos que tentaram crédito na pandemia (não somente no Pronampe, mas qualquer tipo de empréstimo) não conseguiram. Apenas 34% foram bem-sucedidos e 10% ainda aguardam resposta ao pedido.
Os R$ 5 bilhões liberados no fim do ano se somam aos R$ 32,5 bilhões que já haviam sido concedidos nas etapas anteriores do Pronampe. As pequenas empresas foram as que mais obtiveram recursos.
No total, foram 516 mil empréstimos, sendo 300 mil para pequenas empresas e 216 mil para microempresas. Nessa última fase, foram 43 mil operações, 30 mil para pequenas empresas e 13 mil para micro.
O projeto que direcionava os R$ 10 bilhões da terceira etapa do Pronampe foi aprovado pelo Senado no dia 18 de novembro e ficou parado na Câmara por mais de um mês. A pauta de votações estava travada por causa da disputa pela presidência da Casa.
O grupo da base do governo, liderado pelo deputado e candidato à presidência da Câmara Arthur Lira (PP-AL), obstruiu boa parte das votações no fim do ano. Era uma forma de pressionar o atual presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que apoia o deputado Baleia Rossi (MDB-SP) para sucedê-lo.
Esse imbróglio fez com que o Pronampe fosse aprovado na Câmara apenas no dia 22 de dezembro, mais de um mês após passar no Senado, mesmo com apoio quase unânime de deputados e senadores.
O autor do projeto, senador Jorginho Mello (PL-SC), lamenta o prazo apertado para concessão de recursos e disse que se encontrou com Maia para tratar da situação. Para Mello, com mais tempo, os R$ 10 bilhões chegariam às pequenas empresas:
— Fiquei satisfeito, mas queria que fossem os R$ 10 bilhões. Foi o possível. Ficou 30 dias dentro da Câmara.
Relatora do projeto na Câmara, a deputada Joice Hasselmann (PSL-SP) disse que a demora na aprovação entra na conta do governo:
— Quem travou a pauta na Câmara foi a base do governo por causa da discussão da eleição da Mesa Diretora. O que você faz quando a base do governo atrapalha o governo? A base, o miolo, o centrão governista travou a pauta durante vários dias.
Programa bem-sucedido
No Ministério da Economia, a avaliação é que o Pronampe foi o programa de crédito mais bem-sucedido para enfrentar efeitos da crise. Antonia Tallarida, subsecretária de Desenvolvimento das Micro e Pequenas Empresas, Empreendedorismos e Artesanato da pasta, diz que, por serem operações menores, os recursos chegaram a mais empresários:
— Não estamos falando de empréstimos milionários, a média foi de R$ 100 mil por operação. Sempre que se falava de crédito para empresas nos governos passados, eram empréstimos milionários. Fizemos empréstimos milionários, mas com poucos mil reais para muitas empresas.
Com cenário incerto em 2021, as empresas continuam a precisar de crédito. Ercílio Santinoni, presidente da Confederação Nacional das Micro e Pequenas Empresas e dos Empreendedores Individuais (Conampe), diz que conversará com o governo para agilizar a liberação de recursos.
— O próprio governo tem interesse, o problema é como conseguir recursos para essas garantias porque o que tinha era da PEC de Guerra.
Com o fim do Pronampe, o governo prepara nova forma de facilitar o crédito a pequenas empresas. Como mostrou O GLOBO, a ideia é colocar de pé o Sistema Nacional de Garantias, uma forma descentralizada do Pronampe para facilitar o acesso a empréstimo oferecido por instituições financeiras. E corre no Congresso um projeto que torna o Pronampe permanente.
Histórias de quem tentou e conseguiu o crédito
Tentativas em série e noites seguidas no computador
Clea Martins de Melo e seu pai, José Rodrigues, são donos do tradicional restaurante Baixo Gago, em Laranjeiras, no Rio. Eles tentaram a linha de crédito nas três vezes, mas só conseguiram na segunda. Apesar das condições favoráveis, ela critica a operação do Pronampe:
— O governo deu ajuda aos bancos privados, mas eles não ajudaram os empresários. Eu só consegui na segunda vez, e não foi nem 10% do que pedi. Sem contar que eu ficava noites e noites no computador. Estava tudo congestionado e acabava o crédito rápido.
O restaurante, assim como tantos outros, aderiu ao delivery e à redução de jornada dos funcionários. A maior preocupação agora é a volta dos funcionários em horário integral em um momento de pouco movimento:
— Não tem para onde correr. O que ajudaria é se o governo ampliasse o prazo para redução de jornada e salário, ao menos até chegar a vacina, porque o empréstimo é bom, mas uma hora a conta chega.
Sem retorno do banco, pandemia em alta e a conta chegando
O empresário Kiko Dantas, sócio no Café do Alto, em Santa Teresa, e do restaurante japonês Sushimar, em Laranjeiras, ambos no Rio, conseguiu empréstimo duas vezes, mas não chegou nem a tentar nesta terceira fase:
— Desta vez, soube em cima da hora, tentei contato com o gerente, mas não tive retorno. Não chegou fácil como deveria.
Ele também relata que teve dificuldades para acessar o crédito anteriormente, como o valor abaixo do prometido e congestionamento no aplicativo do banco. Durante a pandemia, ele mexeu na estrutura da equipe, demitindo alguns funcionários e contratando mais motoboys.
Hoje, vende em torno de 50% no Café do Alto e 75% no Sushimar do que vendia antes de março do ano passado:
— Agora é o momento mais difícil. O Rio já vinha em uma situação crítica. A conta do empréstimo virá em um cenário muito ruim. Restaurante é para viver aglomerado, e isso não vai acontecer tão cedo.
Papelada organizada e empréstimo no momento certo para fazer obras
No Coordenadas Bar, em Botafogo, no Rio, o sócio Sancho Corá conta que já estava de olho na terceira fase, em contato com o gerente do banco e com a papelada organizada:
— Quando saiu, ele me avisou e deu certo.
O estabelecimento tentou o crédito nas três etapas e já tinha sido contemplado na segunda, quando usou o dinheiro para acertar a folha de pagamento, bem como impostos e contas atrasadas.
Desta vez, vai adaptar o bar ao novo normal. A primeira mudança será neste sábado, quando a casa passa a ter apresentações do mezanino, com o público no primeiro andar em mesas afastadas.
— Este segundo empréstimo veio no momento certo, pois o movimento caiu muito em dezembro. Vamos acertar os pagamentos e fazer uma pequena obra para ampliar a área externa. Será uma opção ao ar livre para os clientes, já que a pandemia não deve acabar tão cedo — avalia Corá.
Histórico da medida
24/4 - Parlamentares aprovam o programa
Depois de duas votações no Senado e uma na Câmara, Congresso aprova Pronampe com previsão de R$ 15,9 bilhões.
11/6 - Governo lança a linha de crédito
Depois da sanção presidencial e liberação de recursos, governo lança regras para bancos ofertarem empréstimo pelo programa.
29/7 - Congresso dá aval à segunda fase
Após fim dos recursos, Senado e Câmara aprovam mais R$ 12 bilhões para a medida. Recursos foram liberados no fim de agosto.
18/11 - Terceira fase passa no Senado
Após negociação que começou em outubro, senadores aprovam mais R$ 10 bilhões para o programa. Texto fica parado.
22/12 - Câmara autoriza novos R$ 10 bilhões
Mais de um mês após o Senado, a Câmara aprova os novos R$ 10 bilhões para o programa. Eleições na Casa atrasaram a tramitação.
30/12 - Fase final do programa é liberada
Após sanção, R$ 5 bilhões são concedidos em quase dois dias.
Ao todo, R$ 37,5 bilhões chegaram a empreendedores.