Não há nenhuma ilegalidade ou falta de razoabilidade na restrição imposta por condomínio residencial à locação de unidade por curta temporada, seja ela feita por Airbnb ou qualquer outra plataforma ou meio.
Essa foi a posição apresentada pelo ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, relator do recurso em que a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça enfrenta a matéria pela primeira vez. O julgamento foi iniciado nesta terça-feira (21/9) e interrompido por pedido conjunto de vista dos ministros Moura Ribeiro e Marco Aurélio Bellizze.
O recurso vem de Londrina (PR) e trata de um condomínio que, após assembleia, incluiu um item em sua convenção para proibir o aluguel por temporada de suas respectivas unidades por qualquer período inferior a 90 dias. A ação foi ajuizada por um dos condôminos, com o objetivo de anular essa deliberação.
O juízo de primeira instância deu razão ao particular, mas o Tribunal de Justiça do Paraná reformou a sentença, sob o argumento de que o direito de livre disposição de um imóvel em condomínio não prevalece diante da vontade do conjunto dos condôminos que deliberarem pela vedação ao aluguel das unidades privadas por temporadas inferiores a um determinado período.
Nesta terça, o ministro Cueva propôs à 3ª Turma uma solução semelhante à tomada pela 4ª Turma do STJ em abril, quando julgou o tema. Para ele, cabe ao próprio condomínio decidir acerca da conveniência ou não de permitir a locação das unidades autônomas por curto período, segundo o voto da maioria qualificada de seus condôminos.
Embora a relação do locatário com o Airbnb especificamente não esteja em julgamento, a empresa de tecnologia foi admitida como assistente simples. Advogado da empresa, José Eduardo Cardozo sustentou que as locações intermediadas devem ser enquadradas no artigo 48 da Lei do Inquilinato (Lei 8.245/1991).
A norma define locação de temporada como aquela "destinada à residência temporária do locatário" por uma série de motivos, entre eles a prática de lazer. O ministro Cueva, no entanto, afirmou que a questão "não é tão simples assim".
Para ele, a lei usa os termos "residencial" e "não-residencial" apenas para diferenciar as duas formas de locação que visa regular a partir da destinação dada pelo locatário. E que essa "atecnia" leva à equivocada conclusão de que, se locatário não usa imóvel locado para fins comerciais, então a locação deve ser classificada como residencial para todos os fins de direito.
"O conflito de interesses não está inserido na relação entre quem disponibiliza o imóvel e o terceiro que o utiliza, mas naquela entre proprietário e condomínio", ressaltou.
Assim, adotou a doutrina segundo a qual os conceitos de residência e domicílio se relacionam, estando ambos ligados a concepções de permanência e de algo definitivo, afastando-se das ideias de eventualidade e transitoriedade.
"A exploração econômica de unidades mediante locação por curto prazo não se compatibiliza com destinação exclusivamente residencial atribuída ao condomínio", concluiu.
Para ele, é inegável que a prática afeta o sossego, a salubridade e a segurança, devido à alta rotatividade de pessoas estranhas e sem compromisso duradouro com a comunidade na qual estão temporariamente inseridas. Assim, restrições impostas pelos condomínios são razoáveis.
Direito de propriedade
Ainda na sustentação oral, a defesa do Airbnb apontou que uma locação não tem sua natureza jurídica de residencial ou não definida pelo prazo — se curto ou longo. E destacou que restringir o aluguel por temporada significa vulnerar o direito de propriedade garantido pela Constituição Federal.
"Em 2019, esse tipo de nova relação por via de plataformas digitais permitiu circular R$ 10,5 bilhões na economia. Imagine o desastre que traria se eventualmente situação pudesse ser impedido à revelia do direito de propriedade", destacou o advogado José Eduardo Cardoso. "Muitas famílias hoje vivem de alugueis de Airbnb. Especialmente nesses tempos de pandemia", complementou.
Em seu voto, o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva afirmou como defensável a ideia de que locações por meio de plataforma na economia de compartilhamento são plenamente admitidas em regime constitucional fundado na livre iniciativa. Mas que diversa é a hipótese em que estão em jogo interesses dos demais condôminos.
"O direito propriedade assegurado constitucionalmente não é só de quem explora economicamente seu imóvel, mas sobretudo daquele que faz dele a sua moradia e que nele almeja encontrar, além de lugar seguro para sua família, a paz e sossego necessários para recompor as energias", complementou.