O artigo 356 do Código de Processo Civil (CPC) permite que o juiz antecipe o julgamento de mérito, no mesmo procedimento, de um ou mais pedidos vertidos na reclamatória trabalhista. Com este fracionamento, a sentença poderá ser executada definitivamente e de forma mais rápida, deixando os pedidos controversos seguirem o seu curso na fase instrutória/probatória.
Foi que aconteceu com o desfecho da reclamatória ajuizada pela trabalhadora de uma loja de roupas de Porto Alegre, demitida em meio à pandemia de Covid-19, que saiu sem receber nenhum centavo de indenização.
Para agilizar a prestação jurisdicional, o juiz Guilherme da Rocha Zambrano, da 13ª Vara do Trabalho da Capital, proferiu sentença parcial de mérito para condenar o empregador a desembolsar R$ 4,5 mil a título de verbas rescisórias. A dívida alcança outras duas rés, responsáveis subsidiárias pelo contrato de trabalho terceirizado.
"A sentença parcial de mérito é mais favorável à autora do que a tutela de urgência, precária e interlocutória, que ela pretendia na ação reclamatória. Basta executá-la"’, resumiu o juiz trabalhista nos embargos de declaração.
A decisão foi tomada no dia 2 de setembro. O processo segue tramitando na VT para análise de outros pedidos embutidos na reclamatória.
Dispensa na pandemia
A antiga funcionária ajuizou ação contra a loja em 24 de junho de 2020. Disse que foi despedida sem justa causa no dia 5 de maio, sem receber as verbas rescisórias. Pediu a antecipação dos efeitos da tutela com a condenação das rés ao pagamento das verbas descritas no termo de rescisão do contrato de trabalho (TRTC).
A empresa, em defesa escrita, confessou o inadimplemento das verbas rescisórias. Entretanto, alegou que era dever do município de Porto Alegre ou do governo do Estado, que determinaram o fechamento do comércio na pandemia, arcar com as verbas decorrentes da rescisão do contrato de trabalho.
Fato do príncipe
A paralisação temporária do trabalho, por ato de autoridade do Poder Executivo, o chamado "fato do príncipe", embora previsto no artigo 486 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), não tira a responsabilidade dos empregadores pelas "verbas rescisórias", ponderou o julgador.
O "fato do príncipe" trata da indenização por antiguidade, contemplada no artigo 478. Logo, a regra invocada pelo empregador só poderia ser aplicada a trabalhadores não sujeitos ao regime do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Ou seja, a regra já caiu em desuso.
"Portanto, não há falar em 'fato do príncipe' como forma de excluir a responsabilidade da empregadora pelo pagamento das verbas rescisórias devidas pela dispensa da autora, tampouco em transferir aos cofres públicos a responsabilidade por esse pagamento", escreveu na sentença.
Diferença fundamental
Segundo Guilherme da Rocha Zambrano, ouvido pela ConJur, o juiz pode julgar o pedido de pagamento das parcelas rescisórias do contrato de trabalho assim que o processo estiver em condições de julgamento. E deixar para o momento de retomada das atividades presenciais da Justiça do Trabalho aquelas discussões sobre condições e duração da jornada de trabalho, remuneração, dano moral, diferenças remuneratórias, entre outras rubricas.
"Se as parcelas rescisórias forem devidas, pode ser imediatamente iniciado o cumprimento da sentença, em autos apartados — definitivo, se não houver recurso, ou provisório, se houver recurso e depósito recursal (o que já garante dívidas de até cerca de R$ 10 mil)", complementa.
Na visão de Zambrano, o julgamento parcial do mérito pode fazer toda a diferença entre a efetividade ou a inutilidade da prestação jurisdicional, pois se for aguardado o reinício das atividades presenciais — para retomada da instrução e o julgamento dos processos —, é provável que os recursos dos devedores já tenham se esvaído quando iniciada a fase de cumprimento da sentença.
"A melhor solução continua sendo aquela adotada pelos advogados de maior sucesso e com mais experiência: tratar de assuntos diferentes em processos diferentes", conclui.