O governo montou uma estratégia para tentar reduzir juros cobrados de consumidores e empresas. Segundo o líder do governo no Senado , Fernando Bezerra (MDB-PE), o Banco Central vai anunciar nos próximos dias uma mudança na taxa do cheque especial .
O passo seguinte seria o corte nas taxas do rotativo do cartão de crédito. Segundo o parlamentar, há orientação clara do governo para que bancos públicos saiam na frente e reduzam a cobrança.
Na segunda-feira, a Caixa Econômica Federal reduziu as taxas mínimas de juros do cheque especial de 8,99% para 4,99% ao mês. O cheque especial é uma das linhas de crédito mais caras no mercado. Segundo fontes, o Banco do Brasil deve seguir o mesmo caminho.
— É uma redução em linha com um banco que busca a igualdade e financiamentos para pessoas com menos dinheiro. E esse juro, de 4,99%, ainda é extremamente elevado. Não paramos por aqui — disse Pedro Guimarães, presidente da Caixa.
Em discurso, na tribuna, Bezerra afirmou que a ação da Caixa é o primeiro passo para que os juros cobrados dos consumidores se alinhem à taxa básica (Selic), que está em 5%, patamar histórico mais baixo:
— Tenho certeza que a iniciativa será acompanhada por outras instituições financeiras, que já sentem os sinais de recuperação da economia.
Efeito no consumo
Especialistas traçam paralelo com a ação do governo de Dilma Rousseff, quando os juros dos bancos públicos foram reduzidos por decreto. Eles ponderam, porém, que há diferenças importantes agora, como a forte queda da Selic e o cenário de inflação controlada e de crescimento baixo. Mesmo assim, avaliam que a medida pode servir de estímulo ao consumo.
— O patamar de 4,99% ao mês ainda é alto e lucrativo, considerando que a Selic deve cair para 4,5% ao ano. O movimento da Caixa lembra o do governo Dilma, que usou bancos públicos para elevar a concorrência entre os bancos privados. De fato, eles já podiam ter baixado um pouco mais os juros do cheque especial — afirmou João Augusto Salles, economista especializado no setor bancário.
Para Fernando de Holanda Barbosa, da Escola Brasileira de Economia e Finanças da Fundação Getúlio Vargas (FGV/EPGE), a mudança não pode ser comparada com o governo Dilma:
— A mudança que Dilma fez não tinha justificativa econômica. Hoje temos taxa de inflação abaixo da meta e capacidade ociosa bastante elevada — afirmou, acrescentando avaliar que a decisão da Caixa deve influenciar outros bancos.
Filipe Pires, coordenador do MBA em Finanças do Ibmec, acrescenta que a queda estrutural dos juros na economia justifica a busca de estratégias específicas para o público da Caixa:
—A Caixa tem se mostrado agressiva no mercado. Pode ter algum componente político nisso, ou não, mas o fato é que hoje as estratégias que adota não comprometem o balanço, como acontecia no governo Dilma.
Os planos para reduzir os custos do cheque especial foram antecipados pela colunista do GLOBO Míriam Leitão e pelo Valor Econômico. Todos os clientes serão cobrados pelo limite que estiver em sua conta, mas quem usar pagará uma taxa menor que a atual, na faixa de 12% ao mês ou 307% ao ano. Na prática, os bancos poderiam cobrar uma tarifa mensal dos clientes que quiserem ter acesso a um limite emergencial. De acordo com Fernando Bezerra, está em estudo fixar uma tarifa diferenciada que vai variar de acordo com o montante do saldo negativo do cliente.
O presidente do BC, Roberto Campos Neto, já havia falado sobre o projeto na semana passada, em audiência da Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados. Segundo Campos Neto, hoje os mais pobres financiam o benefício dos mais ricos.
— Na prática, quem tem o limite alto e nunca usa, tem esse benefício porque está sendo custeado por quem tem limite baixo e usa muito — afirmou na ocasião.
Uma possível aplicação de tarifa sobre o cheque especial precisa de autorização do Conselho Monetário Nacional (CMN), do qual o Banco Central faz parte.
A estratégia sobre o cheque especial faz parte de um pacote mais amplo para diminuir o custo do crédito no país. Em outra frente, a autoridade monetária prepara um mutirão de renegociação de dívidas, como antecipou ontem a colunista Miriam Leitão. Na avaliação de uma fonte do Ministério da Economia, essa ação deve contribuir para potencializar os efeitos esperados com os saques das contas do FGTS, principal aposta da equipe econômica para turbinar o consumo de fim de ano.
Falta de concorrência
Para Miguel Ribeiro de Oliveira, diretor de pesquisas econômicas da Associação Nacional dos Executivos de Finanças (Anefac), os juros altos cobrados no cheque especial refletem a falta de concorrência nessa linha, que não conta com a disputa de fintechs ou cooperativas:
— Os bancos alegam risco de alta inadimplência, mas juros altos acabam alimentando a alta da inadimplência.
O Banco do Brasil informou, em nota, que adota taxa mínima de 1,85% ao mês e que monitora movimentos de mercados. A Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) não comentou a possibilidade de mudança de regras no cheque especial, afirmando que não comentar propostas.