Empresas que buscam informações nos órgãos de proteção de crédito, como SPC ou Serasa Experian, para selecionar candidatos ou verificar se os funcionários estão endividados têm sido condenadas por discriminação no Tribunal Superior do Trabalho (TST). Além de proibir a prática, os ministros têm determinado, em ações civis públicas, o pagamento de indenização por danos morais coletivos, em valores que vão de R$ 100 mil a R$ 300 mil.
Há ações civis públicas, propostas pelo Ministério Público do Trabalho, contra empresas de transporte, bancos e lojas. Por meio de processos individuais, os trabalhadores também têm conseguido provar que perderam vagas de emprego por estarem inadimplentes. Nesses casos, as indenizações são menores, em média de R$ 5 mil.
A prática chama ainda mais atenção em um momento de elevadas taxas de desemprego e de endividamento. O país atualmente conta com 11,8 milhões de desempregados, segundo o IBGE. Além disso, cerca de 62,6 milhões de pessoas estão endividadas, segundo dados da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC).
"Ora, chega a ser absurdo imaginar que o cidadão pode não ser contratado por ter seu nome registrado no SPC ou Serasa" diz o ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte, da 3ª Turma do TST, em uma das decisões. Para ele, "tais serviços devem ser utilizados para proteger o crédito e não para inviabilizar o emprego".
O ministro ainda acrescenta no acórdão que considera a conduta "inegavelmente discriminatória". De acordo com ele, "a recolocação no mercado de trabalho tem justamente o objetivo de saldar a dívida do trabalhador".
O caso analisado pelo ministros era o de um candidato a uma vaga de motorista em uma transportadora de cargas que foi dispensado em uma das primeiras etapas da seleção, após a constatação de que estava endividado.
A advogada Gabriela Lima, sócia do escritório TozziniFreire, ressalta que hoje a jurisprudência dominante no TST considera a prática discriminatória, tanto para verificação de funcionários quanto para processos de seleção de candidatos. De acordo com ela, multinacionais acabaram adotando a prática porque em outros locais no exterior ela é permitida. Em outros casos, acrescenta, a consulta ocorre porque o empregador acredita que o endividado pode oferecer riscos ao negócio.
Para a advogada Juliana Bracks, do Bracks Advogados Associados, a conduta acaba por perpetuar o ciclo de miséria. "A pessoa está com o nome sujo, sem dinheiro, e não arruma emprego para quitar suas dívidas. É cruel", diz.
Ela acrescenta que não existe relação possível entre o fato de uma pessoa estar endividada e estar mais suscetível a desviar dinheiro da empresa ou cometer atos de corrupção. "Isso fere os princípios da boa-fé e da inocência. Tudo que uma pessoa endividada quer é uma oportunidade para quitar suas dívidas."
Chegou a existir na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), segundo Juliana, um dispositivo que permitia a prática para bancários, que foi derrubado. A conduta, porém, foi mantida por bancos. Um deles condenado recentemente a pagar R$ 300 mil de danos morais coletivos, em decisão confirmada pela Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1) do TST, responsável por consolidar a jurisprudência.
De acordo com o processo movido pelo MPT, a instituição financeira tinha o hábito de consultar órgãos de proteção de crédito para a contratação de novos funcionários "de forma a restringir-lhes o acesso a vagas de emprego, em razão de seu nome constar em uma das listas de empresas de proteção ao crédito, como Serasa e SPC".
No caso, contudo, os ministros não analisaram o mérito. Entenderam que não foram apresentados casos semelhantes para provar a divergência de entendimento. Os casos eram de consulta de antecedentes criminais.
Subprocurador-geral do Trabalho, Ricardo José Macedo de Britto Pereira, entende que "a conduta empresarial de pesquisa creditícia é ilícita, configura prática discriminatória, socialmente excludente, e que vilipendia os direitos fundamentais de preservação da intimidade e da privacidade, constitucionalmente assegurados aos trabalhadores".
Em seu entendimento, "cria indevida situação de pressão e cerco aos candidatos a emprego que possuem alguma pendência financeira". Com mais de 60 milhões de endividados, acrescenta, cria-se um cenário perigoso "que acaba por afunilar e restringir o acesso ao pleno emprego".
Recentemente, uma empresa de transportes também foi condenada pelo TST por exigir de candidatos a vagas de emprego informações econômicofinanceiras. A decisão, da 5ª Turma do TST, foi dada em ação civil pública movida pelo MPT. Tem como base o artigo 1º da Lei nº 9.029, de 1995, que veda práticas discriminatórias nas relações de trabalho.
"Efetivamente, não é legítima a exigência de informações acerca da situação econômico-financeira de candidato a vaga de emprego. Tal prática empresarial se reveste de nítido caráter discriminatório", diz em seu voto o relator do caso, ministro Breno Medeiros.
Na decisão, a 5ª Turma cita diversos precedentes em ações civis públicas. Em um deles, a 3ª Turma do TST condenou uma empresa de ônibus a pagar danos morais coletivos no valor de R$ 200 mil.
Em outro, o mesmo colegiado impediu uma loja de utilidades domésticas de fazer pesquisas sobre a situação de empregados e candidatos a vagas no cadastro da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) de Porto Alegre.