Mesmo com regras definidas para guiar a alfândega na tributação de importados, divergências a respeito do valor das mercadorias têm feito com que empresas tenham dificuldade em liberar as cargas e cumprir contratos.
É o que está ocorrendo, por exemplo, no Porto de Santos, onde estão equipamentos de informática destinados ao governo da Bahia. Segundo o sócio do V,M&L Sociedade de Advogados, Gustavo Maia de Almeida, a importadora que venceu a licitação não pode entregar o produto, pois a mercadoria está retida desde janeiro, há quase cinco meses, sob alegação de subfaturamento.
No caso, a Receita Federal instaurou o procedimento especial de controle aduaneiro previsto na Instrução Normativa 1.169/2011, que pode ser aplicado sempre que há suspeita de irregularidade punível com a perda da mercadoria. Contudo, para verificar se o valor declarado dos produtos de informática estava correto, a fiscalização tomou como base uma outra declaração de importação.
Esta segunda declaração de importação, contudo, possuía várias características discrepantes, entre as quais a quantidade de produtos, o peso líquido e o peso bruto. Apesar das diferenças, o fisco não fez qualquer ajuste ao tomar a segunda declaração como base de comparação.
"Tal situação ensejaria a realização de ajustes, o que não foi feito pela fiscalização", apontou o juízo do primeiro grau da Justiça Federal da 3ª Região. Outro problema foi que a metodologia utilizada pela Receita Federal tampouco obedecia as diretrizes de acordo multilateral ratificado pelo Brasil, o General Agreement on Tariffs and Trade (GATT). O acordo está válido desde dezembro de 1994, com a edição do Decreto 1.355.
Com base nessas irregularidades, o primeiro grau deferiu um pedido de liminar, no dia 11 de abril, para liberar a mercadoria retida. "Em outras palavras, não há provas satisfatórias aptas a conduzir a uma conclusão inequívoca de que os valores declarados não refletiram a realidade da operação", aponta a decisão, que ainda identificou a existência de "suposições" e "subjetivismo do agente fiscal".
Garantia
Almeida explica que, apesar da decisão favorável do Judiciário neste caso em particular, em muitos casos a mercadoria permanece bloqueada. Numa análise feita pelo próprio escritório de 50 casos envolvendo problemas aduaneiros, ele diz que na maioria a Justiça negava a liberação da mercadoria. No restante deles a liberação da mercadoria ocorria, mas apenas mediante a apresentação de caução. Essa exigência, na visão dele, ofende princípios constitucionais.
No caso do importador de produtos de informática, ele conta que apesar de a mercadoria valer cerca de US$ 48 mil, somando as multas do fisco, a caução exigida chegou a quase o dobro desse valor: cerca de US$ 90 mil. Porta conta dos valores muito elevados, o advogado conta que em muitos casos o importador desiste de liberar a carga retida.
A liminar concedida pelo primeiro grau da 3ª Região - em decisão muito incomum - liberou a mercadoria retida sem a apresentação de caução, conta Almeida. Notificada da decisão, contudo, ele conta que a alfândega paulista teria enviado ofício ao juízo, alegando que havia dúvidas sobre a forma de cumprimento da decisão. Diante disso, o primeiro grau alterou o que havia sido determinado pela liminar para ordenar que fosse elaborado novo auto de infração com a devida metodologia.
"Nos termos da decisão exarada, se dará mediante a lavratura de novo auto de infração relativo ao crédito discutido nos autos, com oferecimento de garantia", disse o despacho. Mais de dez dias passados após a nova decisão, Almeida conta que a mercadoria continua bloqueada e que não há prazo para que o cálculo do auto de infração seja refeito.
Alfândega
Em resposta ao DCI, a alfândega de Santos afirmou que por conta do sigilo fiscal não comentaria o caso específico. Mas, com relação ao tema em geral, apontou que sempre atendeu as regras do Acordo de Valoração Aduaneira (AVA), relacionado ao GATT. Ressaltou, contudo, que as diretrizes "são aplicáveis apenas às operações legítimas e regulares de comércio exterior", via de regra após o despacho aduaneiro, conforme a Instrução Normativa da Secretaria da Receita Federal (SRF) 327, de 2003.
Também apontou que nos casos específicos em que a fiscalização verifica, em tese, tratar-se fraude, sonegação, conluio ou outras situações de irregularidades previstas no regulamento aduaneiro (decreto 6.759/2009), o AVA-GATT não é o instrumento adequado para ser utilizado. Nesses casos, a alfândega entende que a base de cálculo dos tributos é determinada mediante arbitramento do preço da mercadoria.