Um novo modelo de negócio baseado na honestidade do cliente, o chamado honest market, está dando o que falar no setor de supermercados no Brasil.
O país que viveu o boom dos hipermercados, dos atacarejos, das lojas de vizinhança e dos minimercados, vê agora expandir as chamadas lojas de super proximidade, isto é, aquelas instaladas dentro de condomínios.
Com as restrições de circulação de pessoas, a pandemia do novo coronavírus deu gás ao negócio. Mas as empresas, que já estão praticamente nas casas dos clientes, asseguram que este novo formato de loja só tende a crescer no país.
Com 16 supermercados e 24 Food Express, a rede Hirota, que entrou no negócio em 2020, está instalada em 42 condomínios em São Paulo e deve terminar o ano em 64.
Para 2022, a empresa quer fincar a marca em mais 100 condomínios somente na capital paulista.
Com seis supermercados, a rede Enxuto, de Campinas, trilha o mesmo caminho.
A rede, que entrou no novo modelo de lojas em 2018, está instalada em 14 condomínios, dos quais 11 por meio de contêineres equipados com produtos.
Até o final do ano, deve abrir em mais 11 locais e, até 2025, pretende estar em 77 empreendimentos em Campinas e cidades vizinhas.
Em dez dos 42 condomínios onde opera, o Hirota instalou contêineres de 18 metros quadrados e, nos outros 32, montou loja em espaços dos próprios empreendimentos.
“Logo que o comércio fechou, sentimos uma demanda forte dos clientes para as entregas em casa. Depois de um estudo, concluímos que, em locais com 300 apartamentos, era possível instalar uma loja”, diz Hélio Freddi Filho, diretor do Hirota.
“A ideia de entrar neste formato surgiu antes da pandemia em discussões de grupos internos, inspirados pelos food trucks”, afirma Letícia Guilhermino, diretora do Enxuto.
Para adquirir os produtos praticamente na porta de casa, o consumidor precisa baixar o aplicativo do supermercado, do Hirota ou do Enxuto, por exemplo.
É por meio de um QR Code que o cliente consegue abrir a loja, no caso de contêineres, e também fazer o pagamento.
DIVULGAÇÃO DA MARCA
Letícia diz que o novo modelo é a maneira mais rápida e ágil de uma rede de supermercado chegar aos clientes e ganhar território.
Tanto que a rede está com os olhos voltados mais para este novo formato do que no tradicional. Mais duas lojas convencionais deverão ser inauguradas até o final de 2025.
“Os hábitos de consumo estão mudando. A tendência é de consumo cada vez maior de produtos prontos, que facilitam a vida no dia a dia”, diz ela.
“Nós acreditamos que, mesmo com o fim da pandemia, os consumidores vão querer ficar mais pelo bairro, por isso este novo modelo deve crescer”, afirma Freddi Filho.
INVESTIMENTOS
O investimento do Hirota para abrir um contêiner de 18 metros quadrados para comercializar 500 produtos diferentes é da ordem de R$ 150 mil.
No caso do Enxuto, o investimento chega a R$ 500 mil, em espaços maiores, de quase 80 metros quadrados, capazes de abrigar loja e estoque.
Material de limpeza, artigos para higiene pessoal, carnes, congelados, hortifrútis e até pão francês estão à venda nos contêineres do Enxuto.
Durante o horário comercial, funcionários da rede ficam no local para abastecer e limpar a loja. Durante a noite, é tudo por conta do cliente.
De acordo com Letícia, apesar de promissor, este não é um modelo tão fácil de administrar quanto possa parecer num primeiro momento.
A gestão é de um estoque bem menor do que de um supermercado convencional.
A empresa precisa lidar ainda com as preferências de cada condomínio, não de um bairro, até porque o cliente passa a ser considerado quase como um sócio da loja.
“O que gente observou é que este não é um modelo para um consumidor diferente. O consumidor é o mesmo, o consumo é que é diferente”, diz ela.
Há momentos em que o cliente tem disposição e tempo para ir a um supermercado ou a um hipermercado para fazer uma compra maior.
Há outros em que necessita de um ou outro produto que faltou na dispensa e é urgente no momento.
É neste caso que a loja de super proximidade ganha espaço, dizem eles.
Levantamento feito pelo Enxuto mostra que a frequência de um cliente nas suas lojas contêineres é de 15 vezes por mês, em média.
Pesquisas realizadas em supermercados tradicionais mostram que a frequência média é um pouco menor que cinco vezes, número que caiu com a pandemia.
“É um modelo no qual nos dá mais chance de aumentar a fidelidade do cliente”, diz Letícia. De acordo com ela, o negócio já representa 5% do faturamento da rede.
DE OLHO NO EXTERIOR
De olho neste mercado, nasceu a Market4U. Diferentemente das redes Enxuto e Hirota, que já têm tradição no setor, a Markt4U tem origem no mundo da tecnologia.
Fundada por Eduardo Córdova, a empresa, que estreou no mercado em fevereiro de 2020, está em cerca de 1.500 condomínios em 84 cidades espalhadas pelo país.
A projeção de Córdova é estar em 10 mil empreendimentos até o final do ano no Brasil, incluindo condomínios residências, empresariais e academias.
Há planos também para a expansão do negócio em países como Canadá e Estados Unidos que, de acordo com ele, ainda não exploram este modelo de negócio.
As suas mini lojas possuem de dois a três metros quadrados, em média, podendo chegar a 20 metros quadrados, com a venda de 500 produtos diferentes.
As câmeras e os equipamentos para instalação de uma loja da Markt4u custam cerca de R$ 15 mil.
Com este valor, parece fácil e barato abrir um mini mercadinho. Mas há outros custos e muita tecnologia envolvidos, diz ele, para o negócio funcionar.
É preciso construir um aplicativo, ter centros de distribuição, equipes para abastecer as lojas e fazer o controle dos pagamentos.
Com um faturamento mensal da ordem de R$ 10 milhões, a Market4u, com sede em Curitiba (PR), emprega cerca de 250 pessoas.
“A pandemia, que forçou as famílias a ficarem em casa, fez a Market4u crescer o que estava projetado para daqui a cinco anos, mas também trouxe mais concorrentes.”
Em pouco mais de um ano, a empresa deu um salto: tem 300 lojas próprias e 1.200 franqueadas. O centro de distribuição da empresa fica na Vila Leopoldina.
De acordo com ele, este novo modelo de negócio concorre mais diretamente com as chamadas lojas de conveniência, como as instaladas em postos de gasolina.
“Essas lojas foram perdendo mercado porque vendem mais caro e o consumidor quer pagar barato”, diz Córdova, que começou o seu negócio, em 2016, com vending machine de produtos direcionados a ciclistas.
Uma pergunta que sempre fica ao falar deste negócio é se o brasileiro paga direitinho pelos produtos, e como é feito este controle.
No caso do Hirota, a perda chega a representar 3% da venda, ou porque o produto perdeu a validade ou simplesmente porque o produto não foi pago.
Em um supermercado convencional, este percentual é menor, da ordem de 2%, em média.
“Constatamos que o percentual de quebra ocorre de forma isolada. Na maioria dos casos, o pagamento não ocorre por dificuldade com uso da tecnologia”, diz Freddi Filho.
Letícia afirma também que o índice de ocorrências no negócio é muito baixo.
“Estamos operando em um ambiente restrito, fechado, e o próprio condômino não quer ser punido”, diz.