Não é de agora o cuidado com o trato dos dados cadastrais de moradores, visitantes e prestadores de serviço no condomínio onde atua a síndica profissional Márcia Maria Zanette Molha. Para tanto, nos últimos anos, a administração do empreendimento na zona oeste de São Paulo vem investindo em plataforma própria para armazenar as informações, sistema de firewall (dispositivo de segurança para monitorar o tráfego de rede de computadores) e treinamento de funcionários. Assim, a transição para se adequar à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) – que aguarda sanção presidencial para entrar em vigor (leia mais abaixo) – promete ser tranquila.
“Para a área de condomínios, o principal impacto que (a LGPD) causa é justamente a confidencialidade dos dados”, comenta Márcia Maria, que atua na área desde 2011. “Eu acho que vai ajudar no quesito segurança, eu sou super a favor”, diz a síndica.
E é garantir o direito à privacidade dos cidadãos o objetivo principal da LGPD. Para isso, a legislação pretende dar segurança quanto à maneira como as empresas guardam, coletam, utilizam, disponibilizam e transmitem a terceiros dados pessoais que identifiquem ou possibilitem identificar os usuários, como nome e números de documentos, entre outros.
“Empresas que já estavam alinhadas com os princípios da lei terão positivo destaque no mercado de administração de condomínios”, avalia a gerente de auditoria da administradora APSA, Juliana Tancredo.
Há controvérsias sobre a aplicação direta da nova legislação aos condomínios residenciais, já que as informações coletadas nesses locais não têm finalidade comercial. Porém, especialistas ouvidos pelo Estadão consideram que é melhor se enquadrar às regras.
“Muitas administradoras já possuem uma grande preocupação na coleta e no armazenamento dos dados, mas com a vigência da lei isto deverá estar devidamente comprovado. As formas de coleta, armazenamento e a segurança dos dados coletados deverão estar claras no momento da autorização pelos usuários diretos, ou seja, moradores, condôminos, funcionários e prestadores de serviço”, afirma o presidente da Associação das Administradoras de Bens Imóveis e Condomínios de São Paulo (AABIC), José Roberto Graiche Júnior.
Para a assessora jurídica da Associação de Síndicos de Condomínios Comerciais e Residenciais do Estado de São Paulo (Assosíndicos), Patrícia Santos Martins do Couto, essa incerteza inicial, no entanto, fez com que muitos condomínios não tenham se preparado. “Infelizmente, a maioria dos síndicos e administradores prediais ainda desconhecem a legislação, ainda mais pelo fato de que houve a antecipação da vigência da lei.”
Mesmo que o condomínio não seja obrigado eventualmente a cumprir integralmente a LGPD, o advogado André Luiz Junqueira recomenda que o síndico regulamente o tema em assembleia geral, estabelecendo procedimentos específicos para coleta, tratamento e, especialmente, acesso aos dados – seja em meio digital ou não.
“Não será tempo perdido, pois, independentemente da LGPD, o condomínio pode ser responsabilizado civil e criminalmente pelo mal uso de dados”, diz. O especialista em direito imobiliário também aconselha que se busque uma assessoria jurídica para diagnosticar e implementar as medidas necessárias.
Questões pendentes na LGPD
Por outro lado, ainda há questões na própria LGPD que precisam ser regulamentadas. No dia 27 de agosto, o presidente Jair Bolsonaro publicou decreto que define a estrutura regimental para a criação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), órgão que vai fiscalizar e editar as normas.
“Diante da ainda inexistência da ANPD, associações, sindicatos e outras entidades representativas do setor surgem como importantes fontes de padrão esperado de conduta e, assim, a orientação dos representados e associados é prioridade”, comenta a diretora executiva da vice-presidência de Administração Imobiliária e Condomínios do Secovi-SP, Moira de Toledo. Tanto o Secovi-SP como a AABIC e a Assosíndicos têm desenvolvido ações para orientar seus associados sobre a nova lei.
Só que ainda há dúvidas pontuais. “Essa legislação precisa de um pouco mais de detalhes para os condomínios, ela pecou nesse sentido”, critica o síndico Rafael Bernardes, que atua na área há 15 anos e já tinha a preocupação de zelar pelos dados de seus condôminos e prestadores de serviço antes da lei. Bernardes questiona, por exemplo, se um morador inadimplente pode ter seu nome colocado no balancete do condomínio.
O advogado Rodrigo Karpat, coordenador de Direito Condominial na Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB-SP, responde: “Pode, sim, pois cabe ao gestor prestar contas aos condomínios conforme preceitua o artigo 1.350 e 13.48, VIII do Código Civil, o que inclui informar a inadimplência, sem expor o devedor a situações vexatórias.”
Já casos como a divulgação de imagens pelo circuito interno de TV e exposição de informações pessoais do cadastro para empresas terceirizadas prospectarem serviços são consideradas violações à LGPD, explica Karpat. “As penalidades previstas em lei são muito severas e podem atingir os condomínios em caso de descumprimento”, aponta o advogado.
Por enquanto, as multas e punições ainda não estão valendo. “As sanções só serão aplicadas a partir de agosto de 2021, mas o quanto antes os processos forem adequados, mais pontos as empresas ganham na relação de respeito e reciprocidade com os seus consumidores”, observa a gerente de Relações com os Clientes da Lello Condomínios, Angelica Arbex.
Para entender a LGPD
A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) foi promulgada em 2018 pelo então presidente Michel Temer. Neste ano, por meio da Medida Provisória 959/20, o governo federal propôs o adiamento da entrada em vigor da lei, deixando o início de sua vigência para de maio de 2021. Em agosto, o Congresso rejeitou a alteração e a LGPD, agora, entrará em vigor após sanção presidencial. Já as sanções administrativas valerão a partir de 1º de agosto de 2021.