Com a pandemia dificultando ainda mais o acesso a crédito nos bancos por micro, pequenas e médias empresas (MPMEs), o BNDES decidiu recorrer aos canais digitais para que o dinheiro chegue à ponta. A instituição vai emprestar R$ 4 bilhões a esse público — inclusive microempreendedores individuais (MEIs) sem conta em banco — por meio de empresas de maquininhas de cartão, fintechs e até os chamados marketplaces, como apps de delivery ou sites de comércio eletrônico que abrem sua plataforma a varejistas menores. A ideia é que esses intermediários complementem a oferta com mais R$ 1 bilhão, fazendo com que a iniciativa empreste para até 100 mil MPMEs.
O BNDES lança hoje chamada pública para escolher esses intermediários digitais. Eles vão gerir fundos de crédito para liberar o dinheiro. Serão até dez fundos, divididos em dois perfis. Um deles terá como foco os empreendedores que vendem via marketplaces ou por meio de maquininhas, como um restaurante ou um ambulante que aceite cartão.
Para esse público, os juros terão de ser menores que 3,5% ao mês, e o empréstimo, de até R$ 200 mil. Pelo menos três quartos das operações terão de ter prazo mínimo de nove meses.
A outra categoria de fundos emprestará para MPMEs em geral. Logo, uma fintech de crédito que não ofereça maquininha de cartão nem marketplace poderá dar o crédito. O empréstimo será de, no máximo, R$ 2 milhões, e pelo menos três quartos das operações deverão ter prazo de, no mínimo, um ano. Nessa modalidade, o juro final não poderá ultrapassar 4% por mês.
Mas, como o banco fará uma concorrência para selecionar os intermediários, a expectativa é que os juros fiquem abaixo desses patamares, segundo Filipe Borsato, chefe do Departamento de Gestão de Investimentos em Fundos do BNDES. Também serão levados em conta o impacto social, os prazos e as condições oferecidas nas propostas.
Nas últimas semanas, pequenos e médios empreendedores vinham reclamando da dificuldade de tomar empréstimos por meio de uma linha emergencial lançada pelo BNDES no dia 22.
O empréstimo é intermediado por bancos, que captam os recursos com o BNDES e acrescentam juros à operação. Até agora, já foi emprestado cerca de R$ 1,7 bilhão a 143 MPMEs, ao custo final médio de 12% ao ano. Para os empresários, o custo final é elevado. Além disso, essa linha emergencial não consegue beneficiar empreendedores que não têm conta em banco.
— Quando comparamos o custo que esse microempreendedor encontra hoje com cartão de crédito e rotativo, entendemos que será bastante competitivo — disse Bruno Laskowsky, diretor de Mercado de Capitais do BNDES. — Neste momento de pandemia, não tem bala de prata. Todos os canais têm que ser usados. A inovação é fazer isso fora do canal bancário.
A equipe do BNDES acredita que, dado o relacionamento estreito dessas plataformas com o empreendedor, elas serão capazes de fazer uma avaliação de risco mais ágil de um tomador com esse perfil. Afinal, empresas de maquininhas e aplicativos de entrega veem em tempo real o fluxo de caixa desses clientes.
A ideia do banco é que essa modalidade de crédito continue a existir depois da pandemia.
Fôlego de seis meses
Nos bancos tradicionais, o pequeno empreendedor costuma enfrentar restrições burocráticas e taxas elevadas. O ambulante Davi Cordeiro, de 29 anos, que vende salgados e doces na Tijuca, Zona Norte do Rio, viu sua renda mensal, de cerca de R$ 1.500, praticamente desaparecer com a pandemia e teve negado seu pedido de auxílio emergencial. Mesmo assim, considera remota a possibilidade de tomar um empréstimo no seu banco:
— Seria bom para continuar os negócios com mais segurança, se os juros não fossem tão elevados. Mas já fiz consultas e vi que é bem complicado para quem não tem carteira assinada.
Cordeiro usa maquininha de cartão. Perguntado se tomaria empréstimo por meio dela, mais uma vez citou o custo como determinante:
— Dependeria dos juros. Se fossem baixos, valeria a pena.
Mas isso ainda não dá para saber, e os empreendedores terão de ser pacientes. O processo de seleção dos intermediários vai levar algumas semanas, já que as plataformas terão 20 dias úteis para apresentar proposta. Feita a seleção, as gestoras é que decidirão como e quando começarão a emprestar. A expectativa do BNDES é que a concessão do crédito tenha início no fim deste semestre.
Segundo Rafael Pereira, presidente da Associação Brasileira de Crédito Digital (ABCD), os R$ 5 bilhões em empréstimos que devem ser gerados pela iniciativa são suficientes para suprir a carência de crédito de MEIs e PMEs por cerca de seis meses.
— As iniciativas que vinham sendo tomadas pelo governo não estavam chegando na ponta. No MEI, por exemplo. Além disso, as fintechs estavam sem matéria-prima para emprestar, já que elas geram esses recursos no mercado de capitais, que está travado, enquanto os bancos podem contar com os depósitos dos correntistas — explicou.